segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Perfeições Imperfeitas vs Imperfeições Mais que Perfeitas

Começou por ser um comentário, a um (dois) excelentes textos publicados por esta menina. Mas ganhou vida e voou para aqui, sem eu perceber muito bem como.

Não acredito em perfeições. A perfeição é uma ilusão que traz associadas expectativas e exigências. Das coisas mais importantes que aprendemos na vida é a gestão de expectativas, e a não tentarmos fazer da vida o que ela não é. Só assim podemos realmente saborear um prato, ao invés de o remetermos simplesmente para um plano de comparação. As coisas novas saboreiam-se melhor assim, deixando que os sentidos as absorvam lentamente, na sua total plenitude, notando os sabores fortes das primeiras impressões, os aromas perfumados das características sempre presentes e o travo final.

Por cima disso, acredito na perfeição da imperfeição. Ou, parafraseando a Gi, creio que a imperfeição é mais-que-perfeita! Dado que cada um de nós tem as suas falhas, os nossos próprios modelos e projecções tornam-se pequeninos, face à espantosa plenitude da realidade. Falhamos também aí, ao formularmos o que queremos, descurando e mesmo olvidando pormenores fantástico e detalhes fundamentais. Na verdade, creio que ficaríamos muito descontentes se tivéssemos exactamente aquilo que almejamos.

A chave está na realidade, nas pequenas imperfeições que, na realidade, nos sustentam o amar.
Com ela, vêm desafios, debates, cedências, compromissos, conquistas, entregas e todo um conjunto de situações que dão cor à vida! Daí saem todos os maravilhosos desequilíbrios que nos alentam e motivam, imersos num mar de perfeição mais que perfeita que é o todo.

Cortesias Policiais

Não tinha ideia da minha fama, nem do quanto as pessoas me conheciam. Não é segredo que o Natal, para mim, é uma festa com grande primazia para a família, tem de ter crianças, mas não é data que eu ligue especialmente. Já o fim de ano sempre foi comemorado em festas de arromba e dediquei-lhe maior destaque.
A nossa GNR, conhecendo isto, tratou de zelar por mim. No Natal, como tantos outros emigras, fiz a tradicional viagem até ao Porto. Sem quaisquer percalços, viagem em 2 horas, na maior. Ninguém me abordou, como fizeram a tantos outros condutores.

Mas agora, eles sabiam que seria uma descortesia não me cumprimentar. Assim, fizeram questão de me saudar, pedindo gentilmente os documentos para se certificarem de que estavam a falar mesmo comigo. Mais, insistiram em verificar se o carro estava em boas condições, não querendo que eu corresse quaisquer riscos. Ainda preocupados comigo, e desejando as melhores condições físicas para a minha passagem de ano, verificaram a minha saúde num aparelho estranho, para o qual só temos de soprar! Nada de sangue e urina, só temos que soprar com muita força ("Encha bem o peito de ar") e ele dá-nos o número de problemas que temos. Sei que tenho uma boa saúde, e aquilo confirmou-o, pois apresentou 0.0 problemas. O que achei estranho, pois não compreendo muito bem como se pode ter 0,3 problema! Mas tudo bem, quem sou eu para questionar um aparelho daqueles...

O meu único problema, é que se desorganizaram, e na sua ânsia de me saudar um bom ano, fizeram-no 3 vezes!! Sim, três! Não que me queixe, mas, sinceramente, não era preciso. Para a próxima podem simplesmente acenar. A sério, eu não me importo.

Ah! Por favor, não mandem postais, que não vale a pena!

domingo, 30 de dezembro de 2007

Resoluções de Ano Novo

Quem me conhece sabe que não gosto. Resoluções de Ano Novo soam a hipocrisia, como Natal uma vez por ano. Se, por um lado, reconheço a natureza cíclica da vida, do Sol, da Lua, e as suas influências nos seres humanos, por outro lado, não me deixo contagiar pela euforia da ilusão de recomeços com cada novo ano, como se começássemos com uma folha em branco.
Contudo, acredito que cada minuto, cada segundo, encerra em si uma nova página completamente em branco, com apenas um valor transportado da soma dos exercícios anteriores, como se de um documento contabilístico se tratasse. Assim, recomeços, resoluções, mudanças e afins são sempre que um homem queira, e seguindo o seu próprio ciclo.

A Sílvia Madureira, no meu post da carta de Natal, havia solicitado uma mais sincera, menos irónica. Além de eu ter gostado bastante do output final daquela carta, confesso que tenho uma grande dificuldade em pedir a um velho barbudo seja o que for que vá além de uns caramelos, 15 tostões e um pião.

No que diz respeito a mim próprio, sou fiel ao princípio de ser eu o único responsável por mim, ou, na sua versão católica, "Deus ajuda aqueles que se ajudam a si mesmos." Se a isto juntarmos o axioma popularizado por Heinlein, "Tu és Deus.", facilmente concluimos o mesmo.

Assim, para o novo ano civil, tomo as seguinte resoluções:
  1. Correcta atribuição do tempo às prioridades - Poderia parecer que alocamos o nosso tempo consoante as nossas prioridades. Algo que as mentes femininas tendem em analisar e extrapolar daí conclusões, é o tempo que investimos com isto, aquilo e aqueloutro. Contudo, como qualquer astrónomo pode constatar (espero que nenhum leia isto!), a força gravitacional aumenta com a proximidade de um corpo. Assim, algo muito importante na nossa vida pode ficar temporariamente obstruído pelo peso gravitacional excessivo de outras realidades.
  2. Fazer da reciprocidade uma relativa constante (ou uma variável limitada por bandas, se preferirem), nas minhas relações sociais - as razões estão explanadas aqui.
  3. Estreitar os laços de amizade quer com os Amigos de provas dadas, quer com os tesouros recém-descobertos - pode parecer óbvio, mas há que atentar às leis gravitacionais, ou as da escuta de ruídos áudio.
  4. Pôr o trabalho no seu devido lugar, isto é, razoavelmente dentro do seu horário normal - porque isto de sair às 2h da manhã quando se entra às 9h tem de acabar!!
  5. Deixar de fumar!
  6. Carta de mota e compra da respectiva - porque quero há muito tempo!
  7. Curso de paraquedismo, provavelmente na ACUL, mas ainda em processo de selecção - mais uma vez, porque é algo que quero há muuuuito tempo!

O mais importante, prende-se com os valores que têm pautado estes textos. Acima de tudo, manter a honestidade, a humildade, a sinceridade e a amizade como princípios de base em tudo o que faço. Fazer da minha vida cada vez mais minha!

Assim, vou plagiar uma conhecida cervejeira do Norte :D e fazer este o meu lema para 2008, para mim e para os que me visitam:

Tenham um 2008 autêntico!

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Meme de Elite

A Lady MIM, quando se despistou com o carro, bateu também com a cabeça. À conta disso, tem andado mais pensativa (porque demora mais tempo a processar a informação, normal depois de um trauma) e por vezes os circuitos sobrecarregam. Tudo isto não afectou o sentido de humor que lhe é característico, mas teve como manifesta e nefasta consequência enganar-se e incluir este blog nas suas oferendas de Natal. Escreveu ela, à laia de justificação - e por aqui se vê que os danos ainda foram alguns! - "porque fala do que é complicado de um modo simples. Porque não fica preso a um conceito, porque as suas histórias podem ser as de qualquer um mas contadas por ele, porque debate, é atento, sei lá... porque também gosto."

Assim, presenteou o Canto com o prémio Meme de Elite. Criado pelo Grilo, é uma espécie de concurso de blogs.







Dado que este concurso expira no dia 31 de Dezembro, vou-me abster de nomear outros blogs. (mais uma vez)

Contudo, se o fizesse, seria para todos os blogs aqui linkados, e mais alguns. Quais? Não digo, talvez para o ano.

Por ora, retorno aos meandros de um fecho de ano que se adivinha complicado como o cara*** (não me posso esquecer que em Lx não se dizem palavrões) e continuar atolado, atafulhado e assoberbado em trabalho! Vou passando pelos vossos blogs, e espero retornar em força em Janeiro...(suspiro) Espero!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Da Bonança e da Tempestade

Dizem que depois da tempestade vem a bonança. Já aqui disse que acredito que a tormenta é o que possibilita a bonança, limpando tudo na enxurrada. São uma só, um só processo, um todo, apenas pontos na mesma recta. Talvez pontos no mesmo círculo (?)

Assim sendo, entre um e outro, há um período, um breve limiar, onde a própria borrasca adquire contornos de beleza, pois é perspectivada de alma lavada e renovada. Nos ventos furiosos, se atentamente escutados, descobrimos murmúrios de esperança em vez de apenas rugidos ameaçadores e descortinamos música no gotejar incessante dos dilúvios.
Esta é a fase, o ponto na linha, que dita o verdadeiro fim dos tempos tumultuosos e o real início de um novo ciclo. E tem a sua própria beleza. No meio da cacofonia ensurdecedora, conseguimos encontrar beleza, se a mantivermos dentro de nós. Enquanto são (e não apenas depois) destruídas as frágeis concepções e ilusões do Ego, arrasadas as hipocrisias, revelados os inimigos e desvendadas as mentiras, num incrível frenesim que se deflagra como pólvora, observamos as poucas estruturas sólidas dentro e fora de nós mesmos. Submersos no caos, identificam-se os materiais da reconstrução que se avizinha, tão distintos quanto a rota que nós próprios definirmos para o futuro.


É o período eufórico de louca alegria por cada pequena vitória, inebriados pela esperança, entusiasmados por nós próprios. Cada segundo conta, cada passo é importante, cada erro traz-nos sabedoria, cada nova pessoa traz alento, cada carinho encerra uma onda de ternura. A amizade renasce nos desafios, a camaradagem reforça-se e o sexo adquire uma faceta intensa e devoradora, vivido como momentos fugazes de felicidade entre uma enxurrada e um ciclone, e com idêntica fúria.

Fui para os bosques para viver livremente,
para sugar o tutano da vida,
para aniquilar tudo o que não era vida,
e para, quando morrer, não descobrir que não vivi.

Thoreau


E é aí, em pleno turbilhão, que nos redefinimos, que nos reinventamos, porque ganhamos a liberdade de escolher qualquer direcção. Sem amarras nem prisões, apenas nós e o que escolhermos, quem escolhermos, é exactamente durante as tempestades da vida que ganhamos a experiência, adquirimos saber, verificamos o que é sólido dentro de nós, e contemplamos o horizonte desobstruído a toda a nossa volta. Se não encolhidos pelos medos, obtemos a liberdade para correr em qualquer direcção, desprovidos de inibições. Algo que centenas de livros brilhantemente escritos nunca poderão transmitir completamente, que milhares de histórias observadas não poderão ensinar. Há coisas que não se aprendem, apreendem-se quando as vivemos. Não há outra maneira, não há atalhos, não há caminhos seguros! E ainda bem que não os há...

(?)

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

O Amor é para sempre (IV)

Amar não é possuir, é querer bem. Não é uma dor, o que dói é não se ter o que se quer. Não é um peso, porque a capacidade de Amar é ilimitada. Mas é preciso sentir, não pode ser raciocinado ou aprendido. Quando toda a lógica falha, quando os argumentos não chegam, não se adequam, não explicam, não confortam, quando aquilo que pensava não coincide com o que sente, quando a sua própria reacção não faz qualquer sentido, ele abandona-se aos sentimentos. Dentro de si, imergido na sua alma, conclui que Ama, que quer bem, e que esse sentimento se sobrepõe ao resto. É mais forte que o desejo de posse, que o orgulho, que a dor, que a raiva!

Apercebe-se também que a capacidade de Amar é inesgotável e ilimitada e que Amar é deixar livre. E ele próprio se descarrega, se desobriga também. A dor está no egoísmo, a raiva está no medo, a mágoa está no orgulho.

Assim conquista a sua carta de alforria de si próprio para querer, desejar, gostar, ansiar, sufocar, almejar, cobiçar, pretender, suspirar, ambicionar e Amar livremente, sem impedimentos da alma.

Quando finalmente se libertou, não na vida, mas dentro de si, sentiu-se leve. Inebriado pelo doce aroma da liberdade e contagiado pela vitória sobre si próprio, deixou-se seduzir pela vida e saboreou os momentos. Deixou-se viver tudo o que lhe aparece, com a plena consciência de não mais ser um estropiado, mas alguém novo, renovado!

Não traz no peito uma dor, não arrasta uma âncora. Tem apenas uma cicatriz, recordação eterna de uma ferida que sarou…

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

O Amor é para sempre (III)

"Segue em frente." "Há mais peixe no mar." Frases que lhe eram repetidas vezes sem conta, mas que nada lhe diziam! "O Amor é um sentimento, também morre", repetia a si próprio, sem se convencer. Incapaz de lidar com a perda dessa maneira, havia-se lançado numa demanda de auto-persuasão do que lhe inculcavam na mente, repetindo o mesmo. Palavras que não tocavam nenhuma corda, não encontravam ressonância dentro de si. Tudo lhe soava oco, vazio e estéril, palavras feitas para agradar a tolos e fracos! Por mais que tentasse não se conseguia agarrar ao que lhe diziam, eram tretas. Podia até fazer sentido, mas não era assim que ele SENTIA, portanto não servia para nada! Onde importava, não fazia sentido nenhum!!

Para ele, Amar é para sempre! Os restantes sentimentos, e a sua natureza, sofrem cambiantes, mas o Amor é imortal! Não podia encontrar o doce refúgio nos lugares-comuns, as ilusões que lhe tentavam impingir não lhe serviam de refúgio. Como uma manta transparente, não serviam para tapar o buraco que sentia permanecer dentro de si.

"O Amor é entrega.", ouviu-se pensar uma vez.

E foi aí que encontrou o pilar onde assentar a sua cura. Tal como tudo o resto, estava dentro de si próprio, sempre tinha estado. A paixão pode desaparecer, tudo o resto pode arrefecer, mudar, transformar-se. Mesmo o amor pode mudar. Mas o Amor fica sempre, aquele carinho especial, a entrega de nós próprios, a vontade de dar sem exigir. O Amor não é egoísta!

Talvez a coisa mais difícil que se pode fazer é deixar-se ir aquilo que se ama... tratando-se de Amar, o egoísmo tem de assumir a sua ridícula dimensão. Então é possível, e inevitável, que se deixe livre aquilo que se Ama, não só na vida, como resultado de um esforço, como dentro de si, na sequência de uma opção natural. Deixando o Amor sobrepor-se ao resto, surge como única opção...


Não se deixa de Amar! Simplesmente se Ama como é!


E foi aí que ele encontrou a sua própria liberdade de prosseguir...

(continua)

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

O Amor é para sempre (II)

Claro que sabia que uma relação traz trabalho. Dois indivíduos diferentes não podem estar sempre em harmonia, nem isso traz qualquer interesse. Surgiam os naturais desentendimentos, talvez um pouco dificultados pelo orgulho dos dois, e pela inexperiência em relações sérias.
Para ele, a base da relação era a confiança. Por isso, sempre foi contra o ciúme. O ciúme nasce do sentimento de posse, essas são as suas raízes. Se o amor é entrega, não há possibilidade de ciúme, ciuminhos, ou qualquer outro variante! Sentimento de protecção, sim, de estima e carinho pela pessoa amada. Mas não ciúmes! Isso era contraditório com a própria noção de Amor!

Cego e ingénuo, ignorou todos os sinais da morte da relação, do seu próprio papel nisso. Com o tempo, sentiu como garantido o amor por si, negligenciou o facto de uma relação precisar de investimento contínuo, sob a pena de morrer... E essa morte tomou-o de surpresa, apunhalou-o no coração, revirou todo o seu mundo! De uma só vez, sentiu a rejeição cruel, a tristeza fria, o desespero negro na sua força máxima! Andou estonteado pelo mundo, enquanto se agarrava a tudo o que podia... À medida que saltava de muleta em muleta, de concepção em concepção, de argumento em argumento, por todos se revelarem insuficientes, foi-se afundando cada vez mais num oceano de pessimismo, polvilhado de abismos de dor. Na sua ânsia de explicar a si próprio o fim do que ele cria interminável, esmagou-se a si próprio sob o peso da dura realidade! E perdeu aquilo que julgava ter, a noção da sua identidade.

Forçado a repensar-se, mergulhou em si próprio, e, através de labirintos horrendos, chegou uma vez mais perto de si. Lentamente, reposicionou-se no universo, no seu e no exterior. Re-emergiu diferente, renovado, determinado a não mais olvidar partes de si! Autenticidade passou a ser uma palavra do seu dia a dia, especialmente após as mentiras que tinha vivido e as mentiras que tinha sido. Não mais a vida se lhe afigurou como patamares a ser conquistados, donde se podia pensar em saltar com relativa segurança para outros. Antes como etapas a ser percorridas, uma incógnita de situações a ser vividas autenticamente e à sua maneira. "Fazer do caminho nosso!"

Não mais procurou basear a sua identidade nas opiniões de outros. Estas assumiram apenas a dimensão de espelhos distorcidos, donde se podem tirar ilações cuidadosas. As vicissitudes revelam-se períodos de prova e crescimento, os oportunidades momentos de prazeres e deleites. A realidade é uma besta que não controla, nem nunca vai controlar. Apenas a pode influenciar com a sua força e ser ele próprio perante o que aparecer.

E o Amor?...

(continua)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

O Amor é para sempre (I)

Para ele, Amar só fazia sentido se fosse para sempre. O Amor era o único imortal, única justificação para um mundo sem qualquer sentido...


Sempre recusou a visão piegas (que alguns, a meu ver erradamente, apelidam de romântica) do amor virginal e "puro". Nunca se interessou por mulheres que não assumissem com naturalidade a sua sexualidade. Chegou a interessar-se por quem o encarava com leviandade, quando ele próprio o fazia. Fases.

Nem tão pouco acreditava que não era possível amar momentaneamente! A sua vida já tinha tido episódios bastantes para lhe demonstrar o contrário, momentos felizes, em que o desejo veio acompanhado de cumplicidade, a excitação tinha por base a empatia, a atracção trouxe intimidade e proximidade momentâneas. Deleites que acarinhava na memória, que lhe traziam conforto e bem estar, na altura e sempre que os invocava na memória.

Mas Amar, para ele, era diferente. Amar era entrega! E quando Amou, viveu-o intensa e apaixonadamente. Riu às gargalhadas, chorou de alegria, brincou como uma criança, divertiu-se como um pateta, acarinhou o mais que pode. Mergulhou de chofre naquele primeiro amor que sentia, inebriou-se dele! Sentiu a proximidade e o conforto inigualável de duas almas que se atraem e se sentem bem, ao mesmo tempo que se provocavam e desafiavam. Percebia agora a subtil diferença entre gostar de alguém, amar alguém e Amar alguém.

Desafio Livresco (II)

Quem me conhece, sabe que ler é uma das minhas paixões. Por isso, apesar de repetido, prefiro responder ao desafio lançado pelo Cantinho da Anokas (embora com algum atraso)

Portanto, as regras são as já mencionadas, pelo que a 5ªa frase da 161ª página é:

"É uma história complexa." O livro é o Pêndulo de Foucault, de Umberto Eco.

Como da outra vez, passo o desafio a todos os que por aqui passem e o queiram aceitar.

sábado, 1 de dezembro de 2007

Enjeitado da Felicidade

Sentia-se bem! Contente, confiante e seguro, um verdadeiro garanhão!

Assumia finalmente o papel há muito almejado, conseguia o que queria. Estava a realizar os seus sonhos mais profundos e secretos, e um sorriso de satisfação arrogante era agora uma constante no rosto.

Continuava a amar (pensava ele) a sua companheira. Apenas já não lhe despertava tanta pica... Também, andava ocupado com outras coisas! Era normal que se tivessem distanciado um pouco... Nada que ele não conseguisse endireitar, se assim o pretendesse. Até dava jeito manter assim as coisas, deixava-o livre para explorar outros voos.

A presa não tinha sido fácil. Há muito cobiçada, ele havia conseguido manobrar-se até um papel de amigo próximo, com progressos importantes na confiança entre os dois. Mas o derradeiro passo não se vislumbrava possível.
A oportunidade caiu de repente, uma crise pessoal de auto-estima. E ele ali tão perto!! Não podia haver maior sorte. A corte foi subtil e intensa, baseada no relacionamento anterior. Vestiu a sua verdadeira pele, e assumiu o papel de predador. Finalmente!

E agora estava determinado a experenciar isto o mais possível, até se fartar. Era importante manter a imagem que gozava, até para si próprio. Tinha plena confiança que era capaz de dominar a situação, manter as duas! Queria afundar todos os medos na suprema arrogância da manipulação, mostrar a si próprio que era um homem, finalmente anular todas as frustrações de adolescente! Ser o maior! Pobre rapazinho trémulo e destinado à solidão...


Quando tudo se desmoronou, o pobre infeliz apenas foi capaz de experimentar frustração e auto-comiseração. E como foi incapaz de aprender com os erros, apenas pensa que teve azar desta vez... Como se o erro fosse ser apanhado, e não a mentira que é, especialmente, para si próprio...
Digo infeliz apenas porque vive tão enganado de si próprio que não tem a capacidade de experimentar felicidade, apenas contentamento, satisfação e gozo.

Como pastilha elástica, tem algum sabor, mas sem substância.

Pobre infeliz!

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Sonhar?

Sonhar, sempre! Voar alto e longe. Renunciar os medos, aceitar os tombos, desfrutar das vitórias. Viver intensamente.

E não desesperar... Saber que a vida é uma incógnita e que o cosmos se rege por leis mágicas e mutáveis. Dar cada passo num trilho que construímos nosso, mas com os materiais que nos são dados.
Aceitar que todos os outros o façam também. O cruzar de trilhos é inextrincável, complexo e belo. Dele nascem novos sonhos, novos tombos, novos prazeres.


Deixar que os sonhos nunca morram na ideia, e saber que a forma apenas em parte depende de nós. Compreender que nós próprios precisamos de lutar pelas coisas, fisica, mental e emocionalmente. Sentir que "a espera é".

E sonhar sempre...

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Carta ao Pai Natal

A Azul lançou o desafio, portanto...


Caro amigo,

Já há muitos anos que nos andamos a dar mal. Culpa tua, só pode. Mas eu não sou rancoroso e como tal vou-te dar uma última oportunidade.

Pensei em pedir o Euromilhões, mas anda tanta gente a pedir o mesmo, que o prémio vai dar uns €8 a cada um, e eu ainda ficava a perder €2.
Lembrei-me de seguida de te pedir saúde, mas como fumador, achei que isso devia começar por mim (mania da responsabilidade individual, só perco por isso).
Pensei, de seguida, em pedir-te paz na terra, amor entre os homens (todos menos eu, que nada tendo contra, não gosto de paneleirices), e o fim da pobreza. Contudo, há c'anos que te pedem estas coisas, em 30 línguas diferentes, e tu nunca cumpriste, portanto... why bother?
Imediatamente me vem à mioleira que talvez possas redistribuir melhor a riqueza, aproveitar os recursos, acabar com a poluição, mas como tenho fortes suspeitas que estejas debaixo de um lobby comercial...
Quando de repente se formava um pedido banalíssimo (felicidade), lembrei-me do nosso historial de Natais passados e achei melhor não arriscar a pouca que tenho.


Assim sendo, como prenda de Natal, peço-te que me dês paciência para as fritas da tola que me aparecerem à frente.

Acabo com uma prece adaptada do Cristianismo: "Pai Natal me dê força para mudar aquilo que não posso aceitar em mim e discernimento para aceitar aquilo que não posso mudar." Pegando numa piada já batida, remato com "Quanto aos meus inimigos, dai-me paciência, porque se me dás força, rebento-lhes a cara!"

Abraço desconfiado,

Eu


(espero que o sorriso tenha aparecido ;), se quiseres faço outra noutro estilo e envio-te por mail. Beijo e força)

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Fuga à Autocomiseração

Enregelado, exausto e faminto, forço-me a levantar a cabeça e abrir os olhos apesar do vento cortante. Olho em volta, tentando descobrir um caminho por onde sair deste vale imenso, sem saber sequer se terei forças para o percorrer.

Repentinamente, tomo consciência de onde estou!

Como não reconheci o lugar?! Já cá estive antes! Este vale escuro e gélido, onde a vontade falta, as forças falham e o alento fraqueja, e onde o vento nevado esconde tudo o que nos rodeia, alberga a fonte do Desespero. Enfurecido comigo próprio, relembro a viagem anterior a este lugar. Vinha ferido, moribundo, um despojo de mim próprio. Penso nos longos dias que aqui permaneci, bebendo cada vez mais a água glaciar da fonte, saciando-me a minha sede de auto-comiseração.

"Sim.", ouço-me pensar. Essa é a palavra chave, essa é a porta de entrada para aqui. Auto-comiseração. Talvez o pior dos vícios humanos, sem dúvida um dos mais inúteis. Enfurecido comigo próprio, sinto o sangue a latejar-me nas veias, enquanto o calor do ímpeto me dá forças. Relembro a vil armadilha a que nos entregamos, em que nos enclausuramos pela nossa vontade.

"NÃO!", exclamo, enquanto corro a plenos pulmões para a saída. Rejeito ficar aqui, rejeito permanecer no frio antecipado. Corro desenfreado para o Sol dos momentos felizes, para o Calor das coisas simples, para os momentos de felicidade que possam aparecer. Mergulho de chofre na realidade, e esfrego-me vigorosamente, lavando os resquícios da pena por mim próprio.

Sereno-me, deitado na praia, enquanto retomo o fôlego. Rio-me de mim próprio. "Saís-te de lá, mais uma vez. Vê se não te deixas cair outra vez."

Contemplo o pôr do sol, enquanto descanso...

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Obstáculos

Pesado e triste, sozinho como sempre, venho à tona do lago da doce ilusão e recebo na cara os raios da realidade. Não será fácil o caminho e talvez nunca seja o previsto. Talvez o que tanto almeja nunca aconteça, e fique para sempre um trauseunte na vida, alheio à felicidade...

Um verdadeiro viajante, repito para mim próprio, está preparado para a busca incessante e para a possibilidade de falhanço, de fracasso... Resta saber se este aprendiz na arte de viajar, de se percorrer a si próprio e de perseguir a plenitude, irá resisitir ou sucumbir às desilusões e obstáculos que a vida lhe coloca à frente. Se consegue encarar o que mais almeja ser destinado a outros, se consegue enfrentar ser despojado de tudo e enfrentar nu o vento agreste e o frio cortante da amargura, enquanto força os pés gretados a dar mais um passo na direcção do calor desejado.

Mais uma vez, enquanto me abrigo em mim próprio, questiono a minha própria força interior e a minha determinação. Sinto, a cada segundo, que sou enfraquecido e entorpecido pelo vento glaciar.

Nem por um segundo penso em voltar atrás, para a falsa segurança da Cidade da Soberba ou para a Veneza das Almas, onde sou aceite pela máscara que usar!

Mas será que consigo enfrentar novamente a Antárctida da desilusão? O vento frio vai-me enregelando cada vez mais, e sinto a racionalidade voltar para me salvar deste mundo de sofrimento. Sem emoções não há felicidade, mas também não existe sofrimento...

Escaparei ileso? Serei eternamento salvo (e preso) pela racionalidade? Ou deixar-me-ei enlouquecer enquanto enfraqueço até à morte, suportado no entretanto por doces ilusões e desvairos de loucura?

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Terceiros Passos

As armadilhas sucedem-se no percurso, enquanto continuo a deambular pela vida. Curiosamente, não passam mais do mesmo, as mesmas armadilhas de sempre, transpostas para situações sempre novas, sempre diferentes.

De rumo escolhido, e confiança renovada, trilhei rapidamente caminhos na direcção pretendida, com a forte aspiração da conquista e da descoberta de algo novo. Sabia que não ia ser fácil, que o rumo pretendido era exigente e duro. E desconfortável. Como esperado, os primeiros dias foram feitos sem problemas de maior, numa redescoberta da mesma vida de sempre, por outros olhos. Os problemas ao longe eram duros, sabia, mas havia de os superar ou de aprender com eles. "Em frente, em frente, percorrer o caminho."

Chego a um desfiladeiro, tão igual e diferente a todos os outros. O meu caminho passa por aqui, faz parte do percurso que escolhi. Tem de passar, aliás, não há atalhos na vida, a vida é o caminho percorrido. "O caminho é mais importante que o destino", alento-me. Sinto-me sereno, confiante, invencível. Lanço-me ao caminho. Na minha mente, estão os abismos a evitar. O medo, o orgulho, a raiva, a solidão... Penetro por entre os tortuosos trilhos, percorro o desfiladeiro frio e escuro da tortura, para emergir do outro lado, incólume.

Avisto uma pequena povoação, onde decido repousar de tão esgotante marcha. Aqui as pessoas são simpáticas, calorosas, amigas e divertidas. A cidade é rica em carinho, prolífera em ideias e ideais, fundada na Liberdade e no Respeito. Banho-me nos sorrisos e nas palavras de conforto e de prémio. Bebo profundamente do cálice da aprovação e da camaradagem, inebriado pela doce ilusão de partilha e de sinceridade, intoxicado por perfumes exóticos e familiares, seduzido por orgias coloridas e excitantes. Demasiado perdido em mim mesmo, e nos triunfos recentes, não reconheço que este sítio faz parte do desafio e afundo-me na minha nova imagem de mim próprio.

Apenas algo dentro de mim subsiste. Algo que questiona sempre, que não para de me interrogar, de me provocar, que tudo é uma ilusão, que não é por acaso que esta povoação se situa tão perto da saída do desfiladeiro. "Alimenta-se de quem de lá sai", diz-me. Encolho os ombros, como se a expulsar um peso de cima deles, gesto infrutífero. Decido carregá-lo enquanto me perco cada vez mais na falsa segurança de um meio ambiente fácil e controlado.

Subitamente, um outro viajante passa por mim, reconhece-me como tal. Mais experimentado, e não sendo a primeira vez que aqui se encontra, conhece perfeitamente a armadilha onde me encontro, a sua subtileza, as suas teias de seda e masmorras de ouro. Infelizmente, nunca fui uma pessoa subtil... Com uma pequena palavra, revela-me a sinceridade, o carinho verdadeiro, a simplicidade do companheirismo e a pureza da amizade. Desperta em mim a cumplicidade e, consequentemente, rasga todas os véus que me cobriam a alma. Docemente, pacientemente, aguarda que desperte do transe e que me aperceba do logro. E sorri...

Lentamente, talvez demasiado, reparo que a cidade é uma ilusão, repleta de ardis subtis, falsas simpatias e sorrisos traiçoeiros. É a cidade da Soberba, que nos seduz veladamente, ocultando-se na profusão de cores, sabores e diversidade de experiências agradáveis.

"Foi por pouco", penso, à medida que vou tomando consciência.

A viagem não pode ser feita a solo, e ninguém é invencível. Quem o acreditar, fica preso na Cidade da Soberba. É uma cidade lindíssima. É uma prisão dourada...


Contemplo o rosto do viajante e sorrio de volta. Vejo a beleza pura, não da perfeição, mas quem possui a mesma vontade de ir mais longe, dentro de si, a mesma irrequietude pacífica de busca de si próprio e da sua própria complexidade. Reconheço mais um Viajante da Plenitude, belo, em todo o seu esplendor


"Estarei para sempre grato pelo que fizeste."

"Eu sei", diz ela com naturalidade. "Mas não precisas."

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Diz que não é um mau blog

A Sofia, do blog A Caixinha dos meus botões, ofereceu a este blog um prémio. Ora, acontece que reflecte exactamente aquilo que eu penso do meu blog, portanto, gostei. Além disso, demonstra que um leitor gostou do blog, e resolveu assinalá-lo nas suas sete escolhas.

Dado que um blog, na minha opinião, não é um diário nem um monólogo, acho importante a interacção entre os blogs. E, tal como nas relações não virtuais, é importante darmos sinais de que gostamos, incentivar e apoiar, e estas correntes de prémios ajudam na divulgação de outros blogs.


Embora aprecie imenso o prémio por essas razões, concordo completamente com o Vício, aquando do seu ataque de mau feitio.

As regras são:
1.Este prémio deve ser atribuído aos blogs que consideras serem bons, entende-se como bom os blogs que costumas visitar regularmente e onde deixas comentários
2.Só e somente se recebeste o “Diz que até não é um mau blog”, deves escrever um post:
-Indicando a pessoa que te deu o prémio com um link para o respectivo blog;
-A tag do prémio;
-As regras;
-E a indicação de outros 7 blogs para receberem o prémio.
3.Deves exibir orgulhosamente a tag do prémio no teu blog, de preferência com um link para o post em que falas dele.

4.(Opcional) Se quiseres fazer publicidade à criatura com demasiado tempo livre para gastar em parvoíces, e que teve a ideia de inventar este prémio, ou seja eu – Skynet, podes fazê-lo no post que eu fico agradecido :)



Por isso, exibo com carinho o prémio que me foi oferecido, mas não vou colocar quaisquer links para um blog que não conheço, pois já está aqui exposto.

Quanto a blogs, acho muito difícil seleccionar sete de entre todos os que visito, apenas e só porque todos os que visito são para mim blogs bons (caso contrário não ia lá). Dado que não há uma temática específica no prémio, que me permitiria aplicar um critério de selecção, a não ser ser o de "não ser um mau blog", não vou escolher quaisquer blogs.

Eu só começo a comentar num blog depois de o ler um pouco e de me intrusar no seu espírito. Assim, todos os blogs em que deixo comentários, alguns deles aqui linkados, podem desde já saber que eu acho que até nem são maus blogs.

Para a Sofia, pelo carinho e bom humor para com este meu canto, deixo um grande beijinho e um obrigado. A caixinha é um espaço muito agradável e onde neste momento se desenrola uma história que estou a seguir (por falar nisso, onde está a parte III?)

Beijos e abraços para todos.

sábado, 17 de novembro de 2007

Patetices

Do mais pequeno gesto, simples, banal, corriqueiro, ele retirou um sorriso enorme... Uma onda de calor subiu-lhe ao rosto e fez com que um sorriso parvo lhe embeiçasse o rosto.

"Porque estás tão contente? Parece que tens motivos...", admoesta-se. O teimoso sorriso de idiota teima em não sair. Sente-se bem. Está contente, confiante, pateta, divertido. Apetece-lhe... não sabe o quê, correr, cantar, dançar, divertir-se. Rir-se. Abraçar alguém. Caminhar em passo leve, conduzir horas a fio ou nadar no mar.

"Mas porquê?"

Ele sabe a resposta... Encolhe os ombros e pensa, "Patetices!"

E continua a sorrir...

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

A Tortura do Medo

Um aperto no peito, respiração difícil, os músculos presos. E um bater cada vez mais forte do coração, nervoso, quase que sem ritmo definido.

Uma onda de auto-recriminação invade-a. Fica furiosa! Porque há-de ser assim?! Porque foge quando não quer?! Porque se retrai quando quer avançar?!?! Porque há-de ser sempre assim?...

Não há explicação para aquele medo que a toma de assalto. A sua vida não teve sobressaltos de maior. Tudo foi muito pacato, muito sereno, as dificuldades usuais, os problemas habituais. Alguns momentos difíceis. Algumas decepções. Algumas alegrias. Nada de mais. Nada de mais...

E é isso que a desconcerta, que a enfurece, que a magoa que a entristece, tudo ao mesmo tempo! Que a faz envolver-se em mil e uma coisas. Ela sabe que é simpática, que é inteligente, que é agradável. E ela sabe que é apaixonada, que é carinhosa e meiga. Só ela sabe o quanto é isso tudo, o quanto tem para dar!! Sabe perfeitamente que se deixa ficar para trás por medo, que se encolhe e se aninha. Faz questão de criar distância mal alguém esboce um movimento na sua direcção.

E depois recrimina-se... Interroga-se uma e outra vez porquê! Porque não se liberta daquele medo, medo de tudo o que não conhece? Porque se deixa prender por teias invisíveis? Quer libertação, libertação de si própria e do medo que a enfraquece, que a faz parecer o que não é...


Às vezes dá um tímido primeiro passo. Expõe-se um pouquinho, dá um pequeno nada de si, na esperança que Alguém repare, que Alguém a salve.


Fica triste quando ninguém aparece. Retrai-se imediatamente, desconfiada, insegura e receosa, se alguém repara... Depois, recolhida em si mesma, questiona-se, censura-se, recrimina-se, pune-se... num ciclo vicioso.


Ela sabe o que tem de mudar. Ela sabe o que tem de fazer. Mas não consegue. Ainda não consegue...

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A Menina do Forte

Foi traída pelo sorriso.

Mulher sociável e cosmopolita, extremamente simpática, é inteligente e sagaz. Um sentido de humor perspicaz. Envolve-nos na conversa, o olhar monopoliza a nossa atenção. Confrontada com naturalidade, responde prontamente, a conversa flui. Fala longamente de si, conta as suas
mágoas, as suas alegrias, os seus medos, os seus sentimentos. Deixa-se levar no momento com confiança e serenidade...

Foi o sorriso que a traíu.

Usava o sorriso como um escudo, deflectindo toda e qualquer intrusão ao seu espaço. Um medo terrível a assola constantemente. É básico e instintivo, fruto de anos de prática. Morre de medo de alguém penetrar naquele jardim secreto. Erigiu à sua volta um forte, que defende com todas as armas. O seu sorriso é o seu escudo, mas o humor é a sua arma. Usa a brincadeira para lançar uma névoa sobre aquele espaço íntimo. Como água, escoa-se por entre os dedos quando a tentamos pegar. "Não é com as mãos que se transporta água", penso.

E, depois desta consciência, tudo o resto tombou, as paredes do forte tornaram-se transparentes. Ela usa as palavras porque lhe permitem distanciar as emoções. Embora íntimo, tudo o que conta permite-lhe, pensa ela, criar a última barreira ilusória, em que defende aquele espaço sagrado. Com as palavras, tenta desesperadamente tomar o controlo das conversas, numa tentativa vã de se esconder.

Por último, também o olhar se desvenda. O seu olhar, quando compreendido, traduz o turbilhão de emoções e a confusão que lhe tolda os pensamentos. Assusta-se facilmente, rapidamente se torna desconfiada. As suas próprias emoções estão em constante mutação. O que se mantém sempre é o terrível medo de estar vulnerável.

Ilude-se... Acredita que a sua constante fuga lhe preserva aquele espaço secreto, quando na verdade está exposto através de muralhas de cristal. O seu precioso forte é a sua maior ilusão...

Por o acreditar escondido, é que se magoa tanto. Por isso é que a conseguem magoar tanto...

sábado, 10 de novembro de 2007

Cadeira de Baloiço

Após uma longa ausência, instalas-te para a costumeira reflexão. Vens redesenhar o mapa da tua vida, esclarecer dúvidas, explorar rotas e adquirir mantimentos.

Aqui é onde sempre paras, o teu porto de abrigo, que te habituaste a usar para te reencontrares. Foi aqui que sempre pudeste manifestar todo o teu ser, o bom e o mau. Só aqui abandonavas a personagem da tua vida e eras tu própria, onde podias extravasar os pensamentos mais loucos e mais cruéis, as atitudes mais egoístas e mesquinhas, os medos mais profundos. E era embalada nesta cadeira que te reequilibravas, apenas aqui conseguias encarar-te sem fugas, sem medos.

Quase nem notas a diferença, lanças-te imediatamente naquilo que te trouxe... mas algo te faz olhar em volta. "Há qualquer coisa diferente", pensas, enquanto tentas vislumbrar o que é. A velhinha cadeira de baloiço está diferente. Não te lembraste que, desde a tua última visita, e como sempre fazes, a cadeira ficou sujeita às intempéries. Sempre a encontraste nova, ou renovada. Mas, desta vez, os estragos foram muitos. A sol forte estragou as almofadas onde sempre te amparaste, a chuva infiltrou-se e deformou a estrutura que te suportava e o vento tombou-a vezes sem conta.

A Cadeira, como sempre, teve que se regenerar a si própria. Sozinha, refez-se como pôde, mas não é a bela cadeirinha de baloiço onde tu descansavas enquanto te embalava os sonhos. E não voltará a dar conforto a quem dela não souber cuidar...

Surpreendendo-me, vi-te sair para comprar pregos, madeira, tinta e ferramentas. "Quero a minha cadeira de volta, mas não como antes!"

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Um momento forte

“É muito fácil estar contigo”, disseste com carinho, “demasiado fácil. Ninguém pode ser assim para sempre.” Olhei-te, inquirindo sem falar, receoso das tuas próximas palavras. “Metes medo, porque tentas ser o impossível. Metes muito medo, porque o tentas genuinamente.” Mudaste de posição e encaraste-me de frente. “Tu próprio te condenas, porque as pessoas sabem instintivamente que não é possível ser sempre assim. Mas tu tentas sempre ser perfeito, criar momentos perfeitos… e tornas isso tão irresistível! Ninguém quer ser desiludido. E sabem que ninguém é sempre aquilo que tu és por vezes. Por isso fogem antes que as desiludas, antes que precises delas. És a vítima perfeita para o egoísmo, porque dás sem exigências, apenas por dar.”
“Ninguém dá valor àquilo que consegue de graça?”, perguntei com um sorriso falso.
“Também. Acima de tudo, ninguém te vai dar o que tu dás. Não há pessoas como tu. É muito difícil encontrares o que procuras. Porque eu não faria por ti o que tu fizeste por mim.” Puxaste-me os olhos para os teus. “Esse é outro problema teu. Fazes-me sentir mal por saber que eu não faria o mesmo, fico a sentir-me inferior. Ninguém quer ser lembrado daquilo que não consegue ser.”

Com o teu dedo na minha ferida, desviei os olhos para o mar e tentei em vão conter os pensamentos. Fixei-me no reflexo da lua no oceano, mas senti-me afogar num mar de tristeza, num vazio escuro, como se estivesse debaixo das ondas que contemplava… Mais uma voz que me diz que o caminho que percorro será sempre muito solitário. Sou reenviado a lugares tenebrosos, as dúvidas voltam, a tristeza instala-se de novo.

“Será assim tão mau querermos ser melhores?!”, murmurei, quase para mim mesmo.
“Não, mas lembra-nos que não somos perfeitos, que não somos quem queremos ser, que nos desiludimos a nós próprios. É como a morte, eu sei que é assim, mas não penso nisso. Aqui é o mesmo. Eu sei que não sou perfeita, mas tento não pensar nisso. E depois olho para ti, a queres ser melhor, a admitires as tuas falhas, a aprender com elas… dá-me raiva. E dá-me vontade de te abanar e perguntar o que sabes que eu não sei, porque tens de ser assim.” Suspiraste. “És 8 e és 80. As mulheres gostam de extremos, mas apenas um de cada vez.”

Ficámos em silêncio alguns minutos (anos?). Despedimo-nos ali, tentei dar-te um abraço dos meus, deste-me tu a mim. Assumiste o papel de mulher mais velha pela primeira vez, e disseste: “Pensa no que te disse, não quero que sofras… e tu assim vais sofrer!”
“Não te preocupes comigo, põe-te bem.”
“É disso que eu estou a falar, eu vou estar bem. Levo os momentos que tirei de ti, em troca de nada… Promete que pensas no que te disse!”
"Tenho pena de não te voltar a ver, são raras as pessoas que me deixam a pensar."

Não era preciso prometer, ainda não pensei em mais nada...

Um momento frágil

O trabalho tinha sido intenso, o evento correu bem, e voltávamos de umas horinhas de convívio e dança. Eu apressei-me para o meu hotel, para render ao máximo o tempo de que dispunha e dormir, como diz o meu pai desde que eu era pequeno, “com muita força”. Ainda só tinha despido uma manga do casaco, apenas para o voltar a vestir e sair do quarto bruscamente. Sem qualquer razão, desci e fui ao hotel em frente. Passei o átrio, desci as escadas, virei à esquerda, entrei numa sala, olhei para a esquerda… De olhar perdido num qualquer ponto, sentavas-te num sofá, com os joelhos encolhidos, os pés sobre o assento. De anoraque vestido, mangas a cobrir as mãos, como se quisesses reduzir ao mínimo a superfície de contacto com o mundo. Reparaste imediatamente em mim, os teus lábios abriram-se num sorriso sincero, os teus olhos brilharam por um segundo. E eu mergulhei dentro deles e recordei a primeira vez que te vi sorrir.

Por um único instante, que durou uma vida, os teus olhos renderam-se. Quebraste o contacto e retomaste a tua postura de normalidade. Indeciso, hesitei, sem saber como proceder. Acendo um cigarro, que detestas, e tomei as tuas mãos nas minhas. “Porque estás aqui?” ouvi-me perguntar. A voz saiu meiga, mas firme, exactamente como me sentia. “Não me apeteceu subir”, respondeste, “E tu, porque estás aqui?”
“Não sei…”
Respirei fundo e puxei-te para um abraço “dos meus”. Deitaste a cabeça no meu peito e olhaste-me, e eu voltei a perder-me neles e percebi as dúvidas, a tristeza, a frustração e o cansaço. Contaste-me tudo, tudo o que nunca tinhas contado a ninguém. Afundaste o rosto na minha camisola e abraçaste-me com força. Levantaste os olhos e percorreste o meu rosto com as mãos, exploraste os olhos, o nariz, a boca, desceste pelo pescoço… Olhaste para mim e disseste que precisavas de um amigo. Lembrei-me dos teus olhares tristes e contemplativos, do teu passo lento e compassado, do teu sorriso e respondi-te que era por isso que estava ali.

O que foi dito, pediste para nunca mais ser repetido. Espero que fiques bem...

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Predadores

Falsos e hipócritas, predadores de almas perdidas, pairam nas sombras, preparados para atacar ao mínimo sinal de fraqueza.

Vejo-os por todo o lado. Autênticos camaleões, conseguem transformar-se instantaneamente nas pessoas que procuramos. Guiados pelo faro do seu egoísmo, conseguem cheirar uma ferida na alma a kms de distância. O seu único intento é o de saciar a fome de veneração, companhia, sexo, poder ou dinheiro (ou todas as anteriores), enterrando os dentes directamente no coração das suas vítimas e fugindo com um grande pedaço.

Astutos caçadores, cujas prioridades são apenas eles próprios, recorrem a todos os truques, a todas as manhas, para atingirem os seus fins. Jogam com os sentimentos de culpa, de honestidade e de sinceridade das suas presas. Subtilmente, carregam os dedos nas feridas, agudizando a dor, enquanto fingem tentar curá-la. Lentamente, ardilosamente, vão isolando a vítima, separando-a através de pequenas mentiras, meias-verdades e insinuações de outras esferas de influência. Transformam-se e tentam transformar a realidade imediata da sua vítima, num jogo de sombras e ilusões. Depois do ardil montado, recostam-se e saciam-se num festim que dura o máximo de tempo que conseguirem, ou até farejarem uma presa melhor.

Alimentam-se da beleza que eles próprios aniquilam e abandonam as carcaças vivas, muitas vezes culpando a carcaça. Como culpar uma flor por secar depois de lhe arrancarmos a raiz…

Sou muitas vezes caçador destas bestas. Ilumino-lhes os olhos selvagens, a cobiça e os ardis. Trago luz ao caminho das vítimas. E depois fico com elas nos braços, moribundas, necessitando de cura. Cada vez mais me interrogo… Quem sou eu para quebrar a ilusão de alguém? Não seria melhor responder “Sim, é o melhor que te podia ter acontecido. Nota-se a dedicação e o amor!”, com um sorriso nos lábios e esperar por um pedido claro de auxílio, se ele vier? Como responder ao pedido “Dá-me a tua opinião sincera”?

“Com a verdade.”, ouço-me a mim próprio. “Mas não sem que antes ta solicitem…”

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Reciprocidades

Abandono rapidamente o lugar onde havia pernoitado e aventuro-me uma vez mais nos caminhos solitários. Sei que poderia lá ficar. Havia lugar para mim, desejavam-me lá, ofereciam-me tudo o que tinham, quase tudo o que eu quereria. Tratavam-me muito bem e poderia ocupar o lugar de destaque. Mas eu não era recíproco com as gentes daquele lugarejo. Despedi-me de todos e convidei-os a viajar comigo. Saí logo a seguir e fiz-me ao caminho. Talvez se me juntem… talvez não.

Paro um pouco para descansar. Acendo uma fogueira para me aquecer e instalo-me para confirmar a direcção.

Uma das premissas do início da minha viagem foi a reciprocidade. Recordo a facilidade com que confiam em mim, a rapidez com que um estranho partilha toda a sua vida e todos os seus medos comigo. Sempre foi assim, desde pequeno. Como se o simples acto de me confiar lhes aliviasse o fardo. Pedidos suplicantes de ajuda, de auxílio, de apoio, que eu nunca negava. Relembro todas vezes que me embrenhei a cuidar de almas perdidas e à deriva, como movimentava um leque enorme de pessoas para essa missão, como cuidava e curava e como sorria quando finalmente seguiam o seu caminho, se sustentavam pelo seu pé.

Reconheço a arrogância dessa posição. Como se de um centro de apoio me tratasse, bem estabelecido e sedeado em mim próprio, na minha força, nas minhas convicções, na minha resiliência. Como se eu próprio já tivesse atingido os meus objectivos e, do alto do meu pedestal, sorria placidamente e espalhava compreensão, ajuda e compaixão sinceras. Como se eu próprio não precisasse do que distribuía alegremente. Como se eu próprio não fosse um pequeno colibri, em busca de apoio para mim.

E vejo agora que só me posso censurar a mim próprio quando apenas alguns me apoiam quando preciso. Sempre viram o que eu mostrei, alguém que se sustinha a si próprio. Vestia uma máscara elaborada, tão completa que muito poucos vislumbraram para lá dela. Sei também que é por isso que reconheço com tanta facilidade as máscaras quotidianas: reconheço-me a mim próprio, à espera de quem me viesse salvar. Sempre fiz aquilo que ansiava que me fizessem.

Abro os olhos e espreito o fogo quase extinto. O rumo está corrigido, a rota traçada.

Não quero ser salvo, quero companheiros de viagem. Não quero salvar, quero entreajuda. Aponto os meus passos na direcção do companheirismo e da camaradagem sinceros, onde as máscaras são forçosamente despidas. Quero dar, sem esperar receber, quando de tal for capaz. Quero dar e receber, numa relação de reciprocidade, e deixar que percebam que o quero.

Olho para trás, para o lugarejo que abandono. Com renovada confiança, percebo que não deixarei que outros façam o que eu sempre fiz. Eu não era recíproco, fiz bem em sair.

A viagem prossegue… mas sei que ainda agora começou. Que desafios espreitam para lá daqueles montes?

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Quis saber quem é...

Perdida entre o mundo que lhe ensinaram e a realidade de todos os dias, encara o mundo como uma peça de teatro, onde desempenha o papel que acredita ser o seu…

Fugindo ao confronto consigo própria, refugia-se na falsa segurança do papel que definiu para si própria nas últimas duas décadas. Na sua cabeça, qual imagem guardiã, ela manteve fielmente o retrato da mulher que quer ser, um modelo que a sociedade lhe impõe constantemente.

Atraente, sensual, segura, inteligente, perspicaz, independente, simpática, social, forte, agradável, autoconfiante, querida, sensível, sexual, meiga… uma Mulher! De humor fácil e inteligente, de raciocínio claro e frio, segura de si e dos outros, à vontade em todos os ambientes, transpira beleza e independência, sedução e carinho. Capaz de uma amizade profunda, de ajudar as pessoas, sensível e meiga, mas também de ser fria e desprendida com todos aqueles que a magoem. As pessoas encantam-se com o seu sorriso sincero, derretem-se com a sua voz doce, temem a sua desaprovação e buscam o seu conselho. Em todas as situações lida com extraordinária leveza, mas pulso de ferro e vontade de aço, enquanto um sorriso beatífico e sereno lhe curva os lábios. Uma Mulher moderna, pronta para o mundo, cosmopolita e sofisticada!

Doce ilusão… O papel é impossível de desempenhar para sempre. O “eu” reprimido insiste em aparecer, as dúvidas manifestam-se. Alguém a magoa e isso dói, muito mais do que deveria doer. “Não sou eu superior a isto tudo?!”. Uma situação crítica irrompe e sente-se frustrada e triste. “Então?! Tu sabes sempre o que fazer! Quantas vezes não falaste disto com as tuas amigas e amigos?” O mundo não corresponde como é suposto.

Ela faz um esforço e continua. “Para a frente é que é o caminho.” Não se interroga, não se questiona, tenta adaptar-se ao mundo, sorri com as adversidades, a mulher que ela vê existe, só teve azar, as circunstâncias foram más. Mas a dúvida persiste… Lentamente, muito levemente, os conflitos internos surgem. Dia após dia, uma crescente insatisfação cresce. “Quero mais, quero muito MAIS!”, uma mulher escondida solta o seu grito de Ipiranga.

Finalmente, procura nos outros a confirmação das suas opiniões, a confirmação de quem é! Sonda tudo e todos, testando-os constantemente. À medida que, mais uma vez, os vários feedbacks não são os desejados, vai mudando o papel, como se de um vestido novo se tratasse. A menina inocente, a mulher sofisticada, a mulher sexual. Uma qualquer mistura de tudo isso! Qualquer coisa!

Não se deixa afundar. Mais uma vez, molda-se um pouco, tenta uma nova abordagem, um novo papel. Tudo menos admitir que está um pouco perdida, que não sabe bem quem é, que há qualquer coisa que não bate certo. Refugia-se nos lugares comuns. "Sou mulher, sou de extremos, sou emotiva, sou apaixonada."

Talvez um dia perceba que é tudo aquilo que sempre interpretou. Talvez um dia compreenda que é tudo o que quer ser. Talvez um dia descubra que se a mulher que sonhou existe, é porque alguém a sonhou. Talvez um dia sinta que essa mulher é uma construção e um destino, mas que o caminho, esse é só dela!


Talvez um dia…

Desafio Livresco

Pois bem, a Sylvia lançou o desafio que consiste em:
1º - Pegar no primeiro livro que estiver por perto
2º - Abrir na página 161
3º - Procurar a 5ª frase completa
4º - Transcreve-la para o meu blog
5º - Não se pode escolher o livro. Tem de ser mesmo do que estiver mais perto e a 5ª frase da página 161
6º - Passar o desafio a 5 pessoas

O livro que acabei de ler é a Fórmula de Deus, de José Rodrigues dos Santos e a frase é:
"Os fotões são particulas sem massa, encontram-se em estado de energia pura e nem sequer experimentam a passagem do tempo."

Como sou novo por cá, e acho que já todos os que conheço já responderam a este desafio, lanço o repto àqueles que por cá passem e que ainda não tenham para publicar nos seus blogs e assinalar aqui.

Assim, sempre é da maneira que vou conhecendo blogs novos.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Segundos Passos

De regresso a mim mesmo e ao mundo, reavalio tudo e todos à luz do novo (velho) “eu”, inclusive a mim próprio. A senda continua…

Como os nossos antepassados nómadas, paro frequentemente em busca de pontos de referência. Não existem mapas nem GPS para a rota escolhida, convém certificar-me de que continuo no caminho escolhido. “Tudo bem, estás óptimo”.

Nas pequenas deambulações da vida, vou encontrando outros viajantes. Trocamos impressões, damos indicações mútuas. Por vezes, apenas isso. Outras, decidimos pernoitar juntos antes de cada um seguir a sua viagem. Outras ainda, descobrimos que o destino é comum e a companhia agradável e passamos a caminhar juntos.

Apercebo-me também dos “outros”, os não-viajantes, a multidão dos locais por onde passo. Aqueles que aprenderam a gostar lugar onde estão, os que se resignaram, os obstinados que se recusam a dar mais um passo, os que protegem o seu casebre com unhas e dentes, os que habituam palácios sumptuosos que outros construíram e mantêm, os que não sonham que existem outros lugares para lá do seu, os que não estão em condições de viajar.

Um viajante não censura, cedo aprende que a diversidade habita o mundo e isso faz dele maravilhoso. Há algo fantástico, é que os viajantes se reconhecem uns aos outros entre a multidão. Não por seguirem na mesma direcção, apenas por que partilham o mesmo olhar de irrequietude, de busca interior, de serena confiança de que preferem percorrer mais uns quilómetros de desconhecido do que permanecer onde estão.

Há não-viajantes que também nos reconhecem. Pedem que contemos histórias das nossas viagens. Uns apenas para viajarem eles próprios por uns instantes, outros para se refastelarem na sua superioridade de pequeno conforto adquirido. Outros ficam a sonhar… Alguns, muito poucos, perguntam como viajar. Respondo sempre o mesmo, “não é como, é porquê. Se tens razões para viajar, põe-te a caminho.” Outros ainda, precisam de ajuda para seguir viagem. Acho que devemos sempre parar para ajudar, um dia vamos precisar também, queremos que nos façam o mesmo. Além disso, um pequeno atraso numa caminhada de uma vida não é nada e, quem sabe, até podemos ganhar outro companheiro… talvez até descobrir que se chegou ao destino.

Pelo caminho, ficam também noites solitárias em cavernas frias, dias de caminhadas à secura do sol ou sob o ímpeto da chuva. E também festas, carinhos, diversões, maluqueiras e afins. Lugares que quase nos prendem, outros dos quais fugimos. E ainda erros, estupidez, passos em falso, e atalhos errados.

“Nada que não soubesses quando partiste” comento para mim próprio.

E, nos momentos de solitária reflexão, entoo o lema dos Viajantes: Mais importante que chegar ao destino, é reconhecer que não se está lá. E aproveitar a viagem.

P.S. – Um grande abraço para todos os viajantes, alguns dos quais (re)conheci aqui.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

A magia da Empatia

Vivemos em busca permanente. A nossa demanda não é o Santo Graal, não é a Fonte da Juventude, não é o pote do Jack no fim do arco-íris… buscamos sempre, todos os dias, a todas as horas do dia, Empatia. Usamos muitos nomes. Dizemos que procuramos companheirismo, amizade, diversão, etc. Na verdade, todos buscamos aquele sentimento mágico de quando outro ser humano se coloca exactamente no nosso lugar.

A inebriante sensação de total liberdade que vem do simples facto de alguém entrar completamente dentro de nós, a fantástica noção de preenchimento e felicidade completa, total e avassaladora, quando podemos remontar a uma experiência tão primária, tão para além da comunicação verbal. Quantas vezes deixamos o nosso lado racional levar a sua avante e não paramos para desfrutar um pouco quando breves momentos destes ocorrem. É impossível ter permanentemente empatia. Implicaria alguém estar sempre dentro de nós, o que implica negar-se a si próprio. Mas quantas vezes não corremos o risco de a experimentar!

Curiosamente, este pensamento surgiu devido a sexo. Muito melhor do que quando simplesmente nos entregamos a prazer egoístas (que também é bom) é o verdadeiro prazer de passar uma noite de sexo empático. Os beijos no sítio certo, as carícias com o timing perfeito, os olhares cúmplices, os risos espontâneos, a excitação simultânea, o movimento sincronizado dos corpos. Aí está porque, com a mesma pessoa, podemos ter experiências tão diferentes. Haverá sexo melhor do que aquele em que mergulhamos na alma da parceira e, por sua vez, ela mergulhou na nossa? A rapidez com que se passa subitamente de um olhar cúmplice e um sorriso beatífico para a expressão animalesca do mais puro desejo, o adivinhar perfeito da vontade mútua, tanto que, durante umas horas, os indivíduos desaparecem e o casal se funde…

Como tudo o que é bom, a empatia é mágica, mas não aparece por magia. Exige que se abandone o próprio umbigo. É tão frágil que a mais pequena dose de egoísmo é suficiente para a aniquilar, um simples vestígio de desrespeito a suprime. Não me refiro a suprimir o ego, apenas o egoísmo. Exige, também, a disponibilidade da entrega, permitir que todo o nosso ser fique exposto, dar sem esperar receber. Implica correr o risco da humilhação, do ridículo, do julgamento de outro. Há riscos que valem muito a pena!... e não falo apenas de sexo.

A empatia pode existir sem amor, pelo menos a espécie de amor “para toda a vida”. Mas será possível amor sem empatia? Sem a coragem de nos expormos realmente? Sem abandonar as nossas exigências, os nossos receios, os nossos preconceitos sobre os outros, os nossos preconceitos sobre nós mesmos?

Quero escolher sempre a disponibilidade para a entrega. Não quero ser o guarda prisional de mim mesmo, trancando-me numa auto-imposta cela de reserva e medo, privando-me da liberdade de experimentar os pequenos momentos de empatia que aparecem nas nossas vidas, mesmo que sejam únicos e que não se voltem a repetir. E de os dar também. E, mais uma vez, não falo só de sexo.

Há riscos que valem mesmo a pena…

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Sós ou Mal Acompanhados?

Vejo as suas mágoas, tantas vezes mascaradas com sorrisos frágeis e desvios de olhar. Reconheço as suas inseguranças entre as aparatosas apresentações de autoconfiança. Sinto as suas dúvidas nas mais portentosas afirmações de certezas inabaláveis. Contemplo a sua solidão no incessante galopar das suas palavras, que usam como arma para calar qualquer silêncio que lhes ameace gritar aos ouvidos…

E vejo o medo! O medo de não ser apreciado, de não ser aceite, o medo da solidão. Encontro pessoas perdidas dentro de si próprias, ofegantes por conforto, carinho e Amor. Sinto-lhes o desespero de ter QUALQUER coisa, tudo menos o desconforto frio, o vazio gelado, de ficarem sozinhos consigo próprios.

Conheço bem os lugares tenebrosos e escuros por onde a alma torturada vagueia. Reconheço-lhes no olhar quando um qualquer fantasma se apodera e lhes arrasta o pensamento para os sombrios vales da Solidão, da tristeza e da Auto-Comiseração.

Sempre com medo de se revelarem realmente, de se expor totalmente. Falam e escrevem por trás de risos e banalidades pseudo-sérias, com fervor e ardor nas convicções que acreditam dever ter, no comportamento que imaginam que os outros acham o seu… e, no meio, disfarçada e subtilmente, a prece por aprovação, por conselho, por ajuda, por um guia. Alguém que lhes pegue na mão e afaste os medos com a força do seu Amor, na qual se possam confortar e ser transportadas para aquele cantinho agradável que só quem já amou e foi amado conhece realmente. Revejo-me a mim próprio enquanto o observo nos outros. Relembro o quão fácil é cair neste falso silogismo, ceder à doce tentação de entregar-nos a nossa felicidade a alguém que vá sempre estimá-la e cuidá-la, tudo na vã promessa de fazermos o mesmo. Sei o quão agradável é colocar a nossa alegria na mão de outros e simplesmente ir cobrando parcelas, como se de uma renda se tratasse.

Sei o quão falso tudo isso é. A diferença entre entrega total e arrendamento especulativo.

Conheço e renego a solidão que leva a termos no nosso mundo quem realmente não queremos, que apenas aceitamos porque estão lá. A facilidade com que nos prostituímos e trocámos o que de mais valioso há em nós, o nosso “eu”, por uns minutos falso de ilusão de companheirismo, parceria ou amor. Ou, então, a arrogância com que nos convencemos da nossa imunidade aos outros, da nossa indiferença aos seus ataques mesquinhos, da nossa impermeabilidade à sua natureza parasita e predatória.

Com que facilidade esquecemos o conselho dos nossos pais: “Mais vale só que mal acompanhado”. (Talvez aí esteja o erro, não é , é simplesmente sozinho.) E com que leviandade esquecemos as palavras dos nosso avós: “Diz-me com quem andas, e eu te direi quem és.”

Nenhum homem é uma ilha, mas cada um de nós é um indivíduo. Não vale a pena afogar-nos em solidão quando estamos rodeados de multidão. É desnecessário tanto esforço para nos protegermos, quando, no final, somos nós próprios que nos minamos. É inútil procurar nos outros o consolo de nós próprios quando não deixamos ninguém entrar…

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Reencontro Casual

Num acaso feliz, lembrei-me de ti exactamente quando cá estavas. Ao invés da conversa habitual entre dois ausentes e a promessa (quase sempre fútil) de um café, tive a oportunidade de te levar a jantar.

Já estava atrasado, agastado por um dia demasiado comprido, quando finalmente te vi. No entretanto, tinha meia dúzia de mensagens tuas, a reclamar de fome. Estavas em frente ao teu hotel, com o teu melhor sorriso vestido e uma das tuas muitas mini-saias. Os teus olhos lampejavam de carinho e antecipação.

Eu estava hesitante, mas confiante na nossa anterior cumplicidade. Acima de tudo, não podia esperar para estar contigo, sentir o suave calor de uma companhia íntima, do teu riso cúmplice, do teu sorriso enternecedor. Queria estar com alguém seguro, onde me pudesse refugiar por uns instantes e relaxar o sentido de protecção.

Tu querias simplesmente rever-me.

Entraste no carro e arranquei. Durante uns segundos, tirámos as medidas um ao outro, numa tentativa de identificar o que ainda restava da pessoa que conhecíamos tão bem, o que tinha morrido, e o que tinha nascido para o substituir. Rapidamente nos apercebemos que continuava tudo lá, tudo o que fazia do outro alguém próximo, alguém íntimo. Contei-te tudo… E finalmente pedimos o jantar! Desde logo, como sempre entre nós, a conversa fluiu fácil e em catadupa, de assunto em assunto, de mim e de ti, das pequenas coisas que mediaram o nosso última encontro, há tanto tempo atrás. Deixei-me elevar, pulando de sorriso teu em sorriso teu, brincando, divertindo-nos.

A conversa ganha asas com o vinho e adquire vida própria, nem eu nem tu a controlamos, apenas nela participamos. Como sempre, podemos falar de tudo. Contas-me os teus planos e projectos, já bem estabelecidos. Eu mostro-te aquele que estou a (re)aprender a ser. Abruptamente, verificamos que temos de pagar, já é meia-noite. Sem nunca deixarmos de falar, encontrando em cada coisa um ponto de viragem e de partida para o nosso diálogo, vagueamos um pouco pela cidade que não é nossa.

Chegámos ao teu hotel. Horas depois, foste finalmente descansar…

E eu arranquei com um sorriso dentro de mim, sentindo: reencontrei uma pessoa fantástica, uma mulher encantadora e uma verdadeira Amiga!

Aposto que houve quem pensasse que era mais do que isso...

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Primeiros Passos

Dou (de novo) os primeiros passos no planeta Terra. Experimento ainda a nervosa sensação de estranheza. "O mundo não está como eu me lembrava dele", penso para comigo.

Experimento o contacto com pessoas novas. Recordo-me de mim próprio, muitas vezes a alma da alegria. Sempre me dei bem no contacto social. Quando viajo, quase sempre entabulo conversa com alguém.
"É como andar de bicicleta. Nunca se esquece." Sorrio com este pensamento e animo-me.
"Não te esqueças, há que gerir bem as expectativas. E dá-te apenas às pessoas que te quiserem receber!", exclama a vozinha da auto-protecção.
"Não te preocupes tanto. Sei o que estou a fazer."

Vamos sair, são me apresentadas pessoas novas. Rio, converso, questiono. Faço outros rir e descontrair enquanto falamos de tudo e de nada, numa sucessão sem sentido para quem não está lá. Facilmente, descontraidamente, apenas pelo prazer de conhecer pessoas novas, realidades distintas. Por sua vez, fazem-me rir a mim, partilham um pouco de si. Os nossos caminhos cruzam-se, ainda que por breves instantes.
"Todo o homem que encontro me é superior em alguma coisa. E, nesse particular, aprendo com ele." - Emerson.

Inesperadamente, estou temporariamente sozinho, num oceano de desconhecidos. Bem, talvez apenas um pequeno lago. "Muito bem, como estás? Lembra-te que disseste estar cicatrizado, mas não convém esforçar cicatrizes tão frescas. Seguras-te sozinho?" questiona a vozinha. "Está tudo controlado. Vai descansar", respondo sorridente.

Mesmo assim, finco os dois pés no chão e lentamente percorro o espaço com o olhar. "Não há problema, estive acompanhado por prazer, não por necessidade", concluo. Os meus olhos encontram outros na noite. Um par deles exibe uma expressão triste. Deixo o meu sorriso interior espreitar para os meus lábios. O sorriso de resposta é estranho: não é tímido, não é amarelo, não é de defesa... é solitário, como uma prece de ajuda. Não forço, continuo a deixar o meu olhar percorrer toda aquela gente que dança e (aparentemente) se diverte. Permito-me entrar um pouco em recordações, testando-me. "Sim, o tecido cicatricial ainda experimenta alguma dor, mas aguenta." Exploro um pouco mais, vou um pouco mais longe. Não tenho que fingir, não tenho que fugir. É possível misturar o prazer de estar ali com alguma nostalgia e alguma dor.
Volto a fixar os olhos tristes. Reparei que têm estado furtivamente a tentar encontrar os meus. Percebo porquê, não é habitual alguém estar tão à vontade pelo facto de estar sozinho. Transpareço auto-confiança, talvez um pouco mais do que a que sinto. Ou então transparece a serenidade de quem está à vontade com tudo o que acontecer.
Viajo até aqueles olhos. "Olá. Tudo bem?" Nada de frases pomposas ou de engates parvos. Conversamos um pouco, os olhos vão mudando um pouco de expressão. Chega uma amiga dos olhos tristes, olha para mim e pergunta, por entre o caucofonia da música, "Tudo bem?". Ela acena com a cabeça que sim. Conversamos mais um pouco. Não danço, apenas me balanço um pouco, deixando a música atingir-me, em ondas. Ela dança, um pouco. Vai-se animando.

Eis que retornam os meus novos-conhecidos. Os olhos tristes fogem da exposição como uma barata da luz, mas encontro-os mais tarde, uma única vez, olhando-me com mais ânimo. A noite prolonga-se até de madrugada, ficamos a rir, a conversar e a descontrair até altas horas. Sai uma guitarra do carro, afino-a e canto qualquer coisa. Prolongamos o convívio até ao máximo.

Retenho o que ouço, tento aprender. Respondo como habitualmente, demasiado sincero e directo. Sei que me exponho, mas também sei que é por isso que as pessoas geralmente confiam em mim tão pronta e rapidamente.

Os primeiros passos de regresso a mim mesmo. Não, não é preciso esquecer, não é preciso odiar, sentir raiva, olhar (apenas) em frente ou qualquer um destes escapes. Eles dão apenas uma ilusão de segurança, úteis apenas se não se olhar para lá do vazio que representam. A realidade tem de ser entendida em toda a sua plenitude, o mundo apresenta-se como um estranho complexo, hostil e cativador, belo e agressivo.

Cabe a cada um de nós encontrar o seu papel nesta dicotomia, sem subterfúgios nem inanidades, mas tal como ela é.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Regresso a Casa

Estive fora, perdido em mim mesmo. Viajei muito, visitei locais exóticos, conheci novas realidades.

Ferido, quase mortalmente, empurrado para o desconhecido, arrastei-me para longe de mim mesmo, deixando um rasto ensanguentado. Percorri milhões de kms, por terras escuras, agrestes e cruéis. Desprevenido, tonto e fraco, visitei o planeta das emoções.

Num vale sem luz, ladeado por rochas enormes e agrestes, onde até o nosso maior grito soa a murmúrio, descobri e bebi da água gélida do mais puro Desespero.
Caminhei anos sem fim por ruas estreitas, vendo a felicidade do lado de lá do muro, soluçando noites inteiras, e conheci a amargura da Solidão.
Drogado de Raiva, percorri campos vermelhos de sangue, lutei em milhares de batalhas. Torturei, mutilei, matei e cometi as maiores atrocidades, num ódio crescente.

Vivi milhares de vidas. Experimentei a futilidade, o ódio, o sexo, a tristeza, a solidão, o egoísmo, a sordidez, o materialismo, a pobreza, o altruísmo, a força, a doença e muito mais. Dentro de mim, encontrei o mundo. Tudo o que nele existe, está replicado dentro de mim, nas suas formas puras. Podia ser qualquer pessoa. Libertei-me das correntes e dos grilhões que me encerravam em mim próprio e fui realmente Livre.

Cheguei ao fim do (meu) mundo, e contemplei o abismo final. Saí fora de mim próprio e examinei-me minuciosamente, mas como um todo. Olhei tudo o que fiz e tudo o que fui, e tive um pequeno vislumbre de quem quero ser. Uma ideia mais aproximada. Cheguei mais perto do meu verdadeiro "eu".

Regresso agora a mim próprio. Trago nas costas uma enorme cicatriz, mesmo por trás do coração. Venho sereno, forte e sorridente. Contente por voltar a casa. Mais experiente e maduro. A inocência deu lugar à consciência.

A minha única bagagem são as vidas que vivi. O ódio, o rancor e a raiva são nos devolvidos em dobro... por nós próprios. Somos nós as nossas principais vítimas. Não quero isso para mim. Vivo cada dia e gozo cada dia com autenticidade, vivacidade e alegria.

Chego a casa e preparo-me para voltar a viver. Não olho para trás uma única vez.

Não será a última viagem a mim próprio.


Aos poucos que me forçaram alguns oásis durante esta viagem, que me mostraram a sua amizade e que compreenderam que o meu caminho teria que ser este, obrigado.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Tuguices

Felizmente, tenho tido a oportunidade de viajar bastante pela Europa. Digo felizmente porque, embora as viagens não tenham sido de recreio, conseguimos sempre beber um pouco doutras culturas. Daí, se mantivermos o espírito aberto, recebemos sempre maneiras diferentes de ver a mesma realidade e de actuar sobre ela. Poderão ser melhores ou piores, não vale a pena discutir isso aqui. Indubitavelmente, obtemos um mapa mais completo da realidade.

Há coisa de umas semanas, estava em Bucareste com um grupo bastante internacional (Alemães, Italianos, Espanhóis, Belgas, Lituanos, Romenos e Tugas - mais um chileno que caiu lá de paraquedas). No âmbito das nossas reuniões, podemos contar com tradução instantânea. Contudo, a vida não é só trabalho e todos temos o hábito de ir tomar um copo, visitar a cidade e descontrair um pouco. Além disso, existem as conversas de corredor.
Embora não seja o idioma nativo de nenhum destes países, o inglês é usado como idioma internacional (excepto pelos Espanhóis, que ou recebem tradução dos amigos Tugas ou ficam de fora das conversas).

Quando, para esclarecer uma qualquer coisa corriqueira, começo a conversar em Português, reparo que uns após outros se vão calando. Quando se torna óbvio que o silêncio não é natural, mas que estão todos a escutar minha conversa, perguntei:
- What is it? Why are you all looking at us?
- Because Portuguese sounds beautifully - alguém respondeu.

Não me recordo o assunto, mas sei que foi uma questão sem importância nenhuma. Ficaram encantados com a sonoridade do Português, a sua cadência, a sua musicalidade.

Às vezes, deveríamos ter mais orgulho em nós. Descobri que os alemães liam Fernando Pessoa. Maníaco-depressivos como são - ou bipolares, para ser politicamente correcto - adoram o Livro do Desassossego, embora também conheçam a poesia (esta manifestamente mais difícil de traduzir). Os italianos conheciam bastante bem várias cidades nossas.

E, numa coisa são unânimes: Por incrível que pareça (e já tinha ouvido isto de outros estrangeiros), todos mencionam a cor do nosso céu.

- Nunca vi um céu com este azul!

Às vezes, deveríamos ter mais orgulho em nós.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Moinhos de Vento

Voo todos os dias por paisagens novas. Voos tão rápidos e tão livres, tão baseados em mim e em quem eu sou, que, se palavras houvesse, mesmo assim seriam demasiado rápidos para os apanhar e escrever aqui.

Em cada voo, descubro novas paisagens. Novas realidades. Conheço-me melhor e, através de mim, conheço os outros. Todos nós temos os mesmos desejos, os mesmos instintos, as mesmas vontades e necessidades básicas. É apenas uma questão de moderação. Viajando dentro de nós, explorando todo o nosso ser, sem restrições, sem medos e sem ilusões, encontramos tudo: egoísmo, ego-centrismo, auto-preservação, humildade, vergonha, desejo de ser importante, vontade de dominar, lascividade, carinho, amor, ódio, desprezo, crueldade, amizade... Está tudo dentro de cada um de nós. No ambiente seguro (e simultaneamente aterrador!) da nossa mente, podemos explorar toda essa mescla de sentimentos e instintos, de motivações e restrições. Podemos esquecer algumas e insistir noutras. Podemos simular, podemos experimentar.

Acima de tudo, podemos descobrir quem queremos ser. Podemos encontrar-nos a nós próprios. E podemos, finalmente, principiar a perceber o comportamento dos outros.

"O mundo é um livro e, quem não viajou, leu apenas uma página." Podemos fazer a mesma analogia (e a frase já é verdadeira no seu sentido original, mas falarei disso noutro post) para nós próprios.

Se não fizermos essa viagem, arriscamo-nos a convencer-nos a nós próprios do que queremos. Nas mulheres, o caso costuma ser ainda pior, pois têm o hábito de estar absolutamente convencidas (até 0,00003 segundos antes de mudarem de ideias) daquilo que querem. Citando AlfmaniaK, "Ao se acreditar falaciosamente que se sabe o que se quer, é meio caminho andado para, ao tropeçar a realidade, a falsidade dessa segurança vir ao de cima." E, quando surge, traz consigo toda a insegurança reprimida, toda a frustação, o que muitas vezes conduz a que nos afundemos, nos precipitemos, nos magoemos.

Cabe a cada um de nós fazer essa viagem. O máximo que um amigo pode fazer é incentivar e alertar para os auto-enganos, a auto-ilusão.

Mas tentar forçar alguém à introspecção é como lutar contra moinhos de vento... a ideia é bonita, é bem-intencionada, pode até ser romântica, mas inútil!

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Amar é nos maus momentos

Ao rever um episódio de "A Lei do mais forte", deparei-me com as seguintes frases (não verbatim, porque a minha memória não é assim tão boa):
"Amor não se vê quando é fácil. Vê-se que é amor quando é difícil, quando custa, quando há obstáculos e, muito especialmente, quando a outra pessoa não merece. Amar é preciso nos maus momentos."

Este parágrafo deixou-me a pensar... Acredito perfeitamente no que aqui está. É muito fácil quando tudo corre bem. o difícil é aguentar quando a pessoa está longe, quando a pessoa está em baixo e não corresponde como gostaríamos, quando tem atitudes com as quais não concordamos. Aí, e só aí, se vê o valor da relação. Aí, e apenas aí, vemos quem nos ama realmente... e se realmente amamos.

No entretanto, é difícil saber se é amor, paixão, atracção física, hábito ou qualquer outra coisa. Se não nos questionarmos, sozinhos ou com amigos, se não nos reavaliarmos constantemente, corremos o risco de nos auto-iludirmos. E de criarmos expectativas erradas dos outros.

Quando ouvi estas frases, uma questão que me veio ao espírito foi: Muito bem, se isso é que é amor, onde traçamos a fronteira? Qual a medida que separa amor por alguém num mau momento de amor auto-destrutivo? E até que ponto se deve amar e apoiar até à última e o ponto a partir do qual devemos tentar esquecer?

Acho que tal fronteira não existe. O problema não está na outra pessoa. O problema, a existir, está dentro de nós. Nós é que devemos tentar cumprir com duas condições:
  1. Não devemos esperar nada em troca. Podemos querer, mas não devemos entregar apenas para receber. Isso é trocar, isso é o que faz um sacana.
  2. Amar alguém nos maus momentos exige estabilidade, a todos os níveis. Para dar, para nos entregarmos, devemos estar seguros.

Só com estas duas condições estabelecidas podemos amar sem nos magoarmos, só assim estamos realmente livres para o fazer. A primeira impede-nos de procurar no outro a estabilidade que precisamos. A segunda salvaguarda que estamos fortes o suficiente para segurar um barco à deriva.

Então, e onde fica o que queremos? Até que ponto se deve amar e apoiar até à última e o ponto a partir do qual devemos tentar esquecer?

"Um bom encontro é de dois".
Podemos amar, nos maus momentos, mesmo quando a outra pessoa não merece. Mas, friamente, temos de pensar se a contraparte alguma vez nos vai dar aquilo que almejamos. Não significa que tenhamos que deixar de amar - apenas temos que aplicar a condição nº1... e procurar noutro lado aquilo que queremos.

Mas, se for sincero, aquele amor permanecerá sempre, independentemente do resto.

sábado, 22 de setembro de 2007

A Praia e a Tartaruga

Perdido na imensidão da solidão, nos silêncios vazios da própria alma, onde nem o eco é capaz de preencher o vácuo.

Sozinho, como a tartaruga bebé quando se aventura no mar pela primeira vez, mas com a carapaça cheia de excelentes recordações, de sonhos desfeitos, de promessas quebradas e de mágoas comuns.

Sem Norte, sem destino algum, arrastando-se para o vasto Oceano. Olhando a pequena praia com a dor de que nada se poderá levar. A tartaruga é um mero viajante, que a praia se dignou a recolher, mas que agora rejeita com todas as forças.

A tartaruga não faz parte da praia...

...a praia fará sempre parte da tartaruga...

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

O Sucesso dos Sacanas

Porquê?!

Qual a razão para que os sacanas deste mundo saiam tanta vez vitoriosos? Como conseguem, vez após vez, ludibriar tudo e todos, apanhando sempre o que querem?
Será maior força de vontade? Maior perspicácia? Maior inteligência? Maior eficácia?

Acho que não. O seu sucesso deriva exactamente do seu egoísmo. Como se poêm a si em primeiro lugar, como sabem o que querem para si, conseguem posicionar-se de forma a ter exactamente o que querem.

Não são mais inteligentes. São menos exigentes.
Querem o que querem através do logro, da persuasão, das falinhas mansas, das mentiras... e acredito que, no seu egoísmo, muitas vezes se convençam a si próprios. Enquanto que a maioria deseja que as coisas lhe sejam oferecidas por si, pelo seu valor, o sacana quer apenas que as coisas sejam para si.

Dinheiro, poder, prestígio, amizade e até o amor... para nós, são formas pelas quais queremos que reconheçam o nosso valor, a nossa pessoa - esse é o nosso objectivo. Para o sacana são esses são os objectivos. E, como se diz, há duas formas de ser feliz: "ter mais ou querer menos".

Agora, nós temos a nossa parte da culpa. Na nossa ânsia de entregar, confundimos aquilo que é uma forma de persuasão com aquilo que pretendemos. Não nos questionamos sobre os motivos que poderão levar a que, aparentemente, nos ofereçam aquilo que queremos e tomamos as coisas pelo seu valor aparente. E aplicamos o ditado: "a cavalo dado não se olha o dente".

Contudo, quando o que está em causa é a nossa felicidade, não nos podemos dar ao luxo de ser ingénuos. Temos de nos lembrar que nem todos são bons, nem todos nos querem bem.

Os sacanas andam aí, à caça de uma presa. E, muitas vezes, andam disfarçados exactamente do que queremos!

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Desespero Animal

Perco-me sozinho em deambulações...
Agarro-me a tudo e todos. Ansioso, procuro,
Em vão, encontrar em alguém nas multidões,
O caminho para fora deste abismo obscuro.

Perco-me em certezas passageiras,
Oscilando como um pêndulo de Foucault,
Percorrendo as mentiras vazias mas certeiras,
Que sustentam o meu alegre torpor.

E então, entre as certezas incertas,
Tal como o pêndulo passa na vertical,
Atravesso as profundezas desertas,
Do meu próprio desespero animal.

Nessas planícies mortíferas e abismos de horror,
onde a dúvida me atormenta, a dor me consome
E a raiva, a fúria e a ira se fundem com a comiseração,
Contemplo a minha alma ferida, embalado num furor
tanto destrutivo como auto-preservativo, conforme
o que impere no momento: se o Desespero, se a Razão.

H.T.Sousa

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

(Auto)Ilusionismo

Vivemos o tempo de indefinição, machos e fêmeas perguntam-se qual o seu papel nesta sociedade teoricamente cada vez mais assexuada.

Em conversas de café, em casas de amigos, em todo o lado, ouvimos falar da Revolução Sexual, dos direitos conferidos, da igualdade entre sexos. E, em todo o lado, ouvimos falar que a mulher é a mulher e o homem é o homem. Vivemos a confusão de termos abolido um código social, sem termos outro pronto a substituí-lo. E, este estado de desorientação e indefinição tem marcado a infelicidade de muitos.

E, nas mulheres, vejo o principal problema. As mulheres de hoje querem tudo. Querem o tipo que as arrebate de paixão, pague o jantar, lhes diga coisas incrivelmente românticas, que as surpreende constantemente, faça amor como um mestre e as mantenha perpetuamente apaixonadas. Mas também querem o tipo que as compreende profundamente, que seja o melhor amigo, que partilha tudo, que seja um companheiro e um parceiro na vida. E que as apoia, ouve, tem sempre a palavra certa, seja bem-disposto e... etc!

Ou seja, minhas senhoras, o raio do tipo não existe! Quem vocês querem é um tipo com a maior auto-confiança que alguma vez já existiu, mas que não seja convencido. Que seja sempre seguro e bem-disposto, que ature todas as birras com um sorriso no rosto e uma surpresa na mão, mas que nunca seja abalado por elas. Querem ser amadas em toda a plenitude, mas acreditam que as vossas dúvidas, ataques e insinuações não têm a mínima influência na relação. E se ele fizer o mesmo? Continuam de olhar terno a assegurar-nos do vosso amor? Ou ficam magoadas e fecham-se dentro de si próprias?

Porque, pergunto-vos, o que dão vocês em troca? O mesmo? A resposta é não! E esse é o problema da indefinição de papéis. Vocês continuam a reger-se pelo antigo código, apenas lhe mudaram os pormenores. Continuam a exigir que o homem seja o suporte de tudo, só que pelas novas regras.

E, para os homens deste mundo, as coisas mudaram. Imaginam uma companheira que seja uma "lady na mesa e uma louca na cama". Com quem partilham tudo, em quem podem confiar inteiramente. Uma mulher inteligente, sensível, que os apoie a eles também.

Que nos permita sermos nós próprios...

E auto-iludimo-nos todos, nesta indefinição do que queremos e do que somos. Andamos perdidos, à deriva, certos num momento, inseguros no outro. Recitamos lugares-comuns de sabedoria popular, buscando incessantemente um modelo comportamental. Ansiando encontrar alguém que nos complete e preencha, uma pedra basilar na qual sustentarmos o nosso ser. Todos, mulheres e homens, procurando, fora de nós, sempre fora de nós, a inspiração, a sabedoria, o suporte.

Somos nós os responsáveis pela nossa interacção com o mundo. Cabe a cada um de nós encontrar-se no meio da multidão, abandonar o egoísmo de que as soluções estão fora de nós. Cabe a cada um de nós ser alguém por si só.

Dos outros, o máximo que podemos exigir é autenticidade, o máximo que podemos fazer é ajudá-los a ajudarem-se. E entregarmo-nos sem reservas, não por retorno, não como investimento.

No caminho, há que apreciar a vida, saborear as pessoas, rir, cantar, dançar, correr, beber, errar... e divertirmo-nos.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Para ser grande, sê inteiro

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive

Ricardo Reis

Liberdade de Ser

Ela não pensa demais.
Ela não quer pensar, que é para não descobrir.
Prefere ignorar e esconder-se atrás da falsa auto-penitência de quem merece e quer estar sozinha.
Porque tem medo.
Medo de ser julgada e perder o pouco que tem.
Medo de se julgar a si própria, e de não se perdoar.
E irritada... porque o pouco que tem não chega, não aquece, não conforta, não consola.
E confusa... porque os grilhões alheios a prendem. Porque não sabe quem quer ser, mas anseia pela liberdade de o ser.
E sozinha... exacatamente porque receia ficar sozinha se mostrar quem é.

E não compreende, ainda, que sozinha já ela está, perdida em si mesma, com medo de sair. Que tem tudo a ganhar, e nada a perder, em se revelar.
Porque, se assumir a sua liberdade de ser, apenas corre o risco de perder a ilusão de não estar sozinha. Ilusão essa que não lhe é, nem nunca foi, suficiente, que só lhe traz desespero e martírio.
Porque está sozinha, sozinha dentro de si mesma, onde ninguém pode chegar.

E tudo a ganhar, porque tem a hipótese de, pela primeira vez na sua vida, não estar sozinha.



Cá fora, há de tudo. Mas um de nós aguarda essa libertação, porque sabe quem vem aí.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Devaneio Inicial


O Canto do Colibri é como o seu voo: veloz, na direcção que lhe apraz no momento, rapidamente mudando de cenário e de rumo, consoante o que o Sol lhe revele, o que a Lua insinua e o que o Vento sussurra.

Este é o espaço onde vou partilhar os meus devaneios. E, como devaneios que são, provavelmente não vão seguir uma sequência lógica, não vão ter um tema em comum, não vão ser coerentes entre si e não vão ensinar nada a ninguém.