quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Predadores

Falsos e hipócritas, predadores de almas perdidas, pairam nas sombras, preparados para atacar ao mínimo sinal de fraqueza.

Vejo-os por todo o lado. Autênticos camaleões, conseguem transformar-se instantaneamente nas pessoas que procuramos. Guiados pelo faro do seu egoísmo, conseguem cheirar uma ferida na alma a kms de distância. O seu único intento é o de saciar a fome de veneração, companhia, sexo, poder ou dinheiro (ou todas as anteriores), enterrando os dentes directamente no coração das suas vítimas e fugindo com um grande pedaço.

Astutos caçadores, cujas prioridades são apenas eles próprios, recorrem a todos os truques, a todas as manhas, para atingirem os seus fins. Jogam com os sentimentos de culpa, de honestidade e de sinceridade das suas presas. Subtilmente, carregam os dedos nas feridas, agudizando a dor, enquanto fingem tentar curá-la. Lentamente, ardilosamente, vão isolando a vítima, separando-a através de pequenas mentiras, meias-verdades e insinuações de outras esferas de influência. Transformam-se e tentam transformar a realidade imediata da sua vítima, num jogo de sombras e ilusões. Depois do ardil montado, recostam-se e saciam-se num festim que dura o máximo de tempo que conseguirem, ou até farejarem uma presa melhor.

Alimentam-se da beleza que eles próprios aniquilam e abandonam as carcaças vivas, muitas vezes culpando a carcaça. Como culpar uma flor por secar depois de lhe arrancarmos a raiz…

Sou muitas vezes caçador destas bestas. Ilumino-lhes os olhos selvagens, a cobiça e os ardis. Trago luz ao caminho das vítimas. E depois fico com elas nos braços, moribundas, necessitando de cura. Cada vez mais me interrogo… Quem sou eu para quebrar a ilusão de alguém? Não seria melhor responder “Sim, é o melhor que te podia ter acontecido. Nota-se a dedicação e o amor!”, com um sorriso nos lábios e esperar por um pedido claro de auxílio, se ele vier? Como responder ao pedido “Dá-me a tua opinião sincera”?

“Com a verdade.”, ouço-me a mim próprio. “Mas não sem que antes ta solicitem…”

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Reciprocidades

Abandono rapidamente o lugar onde havia pernoitado e aventuro-me uma vez mais nos caminhos solitários. Sei que poderia lá ficar. Havia lugar para mim, desejavam-me lá, ofereciam-me tudo o que tinham, quase tudo o que eu quereria. Tratavam-me muito bem e poderia ocupar o lugar de destaque. Mas eu não era recíproco com as gentes daquele lugarejo. Despedi-me de todos e convidei-os a viajar comigo. Saí logo a seguir e fiz-me ao caminho. Talvez se me juntem… talvez não.

Paro um pouco para descansar. Acendo uma fogueira para me aquecer e instalo-me para confirmar a direcção.

Uma das premissas do início da minha viagem foi a reciprocidade. Recordo a facilidade com que confiam em mim, a rapidez com que um estranho partilha toda a sua vida e todos os seus medos comigo. Sempre foi assim, desde pequeno. Como se o simples acto de me confiar lhes aliviasse o fardo. Pedidos suplicantes de ajuda, de auxílio, de apoio, que eu nunca negava. Relembro todas vezes que me embrenhei a cuidar de almas perdidas e à deriva, como movimentava um leque enorme de pessoas para essa missão, como cuidava e curava e como sorria quando finalmente seguiam o seu caminho, se sustentavam pelo seu pé.

Reconheço a arrogância dessa posição. Como se de um centro de apoio me tratasse, bem estabelecido e sedeado em mim próprio, na minha força, nas minhas convicções, na minha resiliência. Como se eu próprio já tivesse atingido os meus objectivos e, do alto do meu pedestal, sorria placidamente e espalhava compreensão, ajuda e compaixão sinceras. Como se eu próprio não precisasse do que distribuía alegremente. Como se eu próprio não fosse um pequeno colibri, em busca de apoio para mim.

E vejo agora que só me posso censurar a mim próprio quando apenas alguns me apoiam quando preciso. Sempre viram o que eu mostrei, alguém que se sustinha a si próprio. Vestia uma máscara elaborada, tão completa que muito poucos vislumbraram para lá dela. Sei também que é por isso que reconheço com tanta facilidade as máscaras quotidianas: reconheço-me a mim próprio, à espera de quem me viesse salvar. Sempre fiz aquilo que ansiava que me fizessem.

Abro os olhos e espreito o fogo quase extinto. O rumo está corrigido, a rota traçada.

Não quero ser salvo, quero companheiros de viagem. Não quero salvar, quero entreajuda. Aponto os meus passos na direcção do companheirismo e da camaradagem sinceros, onde as máscaras são forçosamente despidas. Quero dar, sem esperar receber, quando de tal for capaz. Quero dar e receber, numa relação de reciprocidade, e deixar que percebam que o quero.

Olho para trás, para o lugarejo que abandono. Com renovada confiança, percebo que não deixarei que outros façam o que eu sempre fiz. Eu não era recíproco, fiz bem em sair.

A viagem prossegue… mas sei que ainda agora começou. Que desafios espreitam para lá daqueles montes?

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Quis saber quem é...

Perdida entre o mundo que lhe ensinaram e a realidade de todos os dias, encara o mundo como uma peça de teatro, onde desempenha o papel que acredita ser o seu…

Fugindo ao confronto consigo própria, refugia-se na falsa segurança do papel que definiu para si própria nas últimas duas décadas. Na sua cabeça, qual imagem guardiã, ela manteve fielmente o retrato da mulher que quer ser, um modelo que a sociedade lhe impõe constantemente.

Atraente, sensual, segura, inteligente, perspicaz, independente, simpática, social, forte, agradável, autoconfiante, querida, sensível, sexual, meiga… uma Mulher! De humor fácil e inteligente, de raciocínio claro e frio, segura de si e dos outros, à vontade em todos os ambientes, transpira beleza e independência, sedução e carinho. Capaz de uma amizade profunda, de ajudar as pessoas, sensível e meiga, mas também de ser fria e desprendida com todos aqueles que a magoem. As pessoas encantam-se com o seu sorriso sincero, derretem-se com a sua voz doce, temem a sua desaprovação e buscam o seu conselho. Em todas as situações lida com extraordinária leveza, mas pulso de ferro e vontade de aço, enquanto um sorriso beatífico e sereno lhe curva os lábios. Uma Mulher moderna, pronta para o mundo, cosmopolita e sofisticada!

Doce ilusão… O papel é impossível de desempenhar para sempre. O “eu” reprimido insiste em aparecer, as dúvidas manifestam-se. Alguém a magoa e isso dói, muito mais do que deveria doer. “Não sou eu superior a isto tudo?!”. Uma situação crítica irrompe e sente-se frustrada e triste. “Então?! Tu sabes sempre o que fazer! Quantas vezes não falaste disto com as tuas amigas e amigos?” O mundo não corresponde como é suposto.

Ela faz um esforço e continua. “Para a frente é que é o caminho.” Não se interroga, não se questiona, tenta adaptar-se ao mundo, sorri com as adversidades, a mulher que ela vê existe, só teve azar, as circunstâncias foram más. Mas a dúvida persiste… Lentamente, muito levemente, os conflitos internos surgem. Dia após dia, uma crescente insatisfação cresce. “Quero mais, quero muito MAIS!”, uma mulher escondida solta o seu grito de Ipiranga.

Finalmente, procura nos outros a confirmação das suas opiniões, a confirmação de quem é! Sonda tudo e todos, testando-os constantemente. À medida que, mais uma vez, os vários feedbacks não são os desejados, vai mudando o papel, como se de um vestido novo se tratasse. A menina inocente, a mulher sofisticada, a mulher sexual. Uma qualquer mistura de tudo isso! Qualquer coisa!

Não se deixa afundar. Mais uma vez, molda-se um pouco, tenta uma nova abordagem, um novo papel. Tudo menos admitir que está um pouco perdida, que não sabe bem quem é, que há qualquer coisa que não bate certo. Refugia-se nos lugares comuns. "Sou mulher, sou de extremos, sou emotiva, sou apaixonada."

Talvez um dia perceba que é tudo aquilo que sempre interpretou. Talvez um dia compreenda que é tudo o que quer ser. Talvez um dia descubra que se a mulher que sonhou existe, é porque alguém a sonhou. Talvez um dia sinta que essa mulher é uma construção e um destino, mas que o caminho, esse é só dela!


Talvez um dia…

Desafio Livresco

Pois bem, a Sylvia lançou o desafio que consiste em:
1º - Pegar no primeiro livro que estiver por perto
2º - Abrir na página 161
3º - Procurar a 5ª frase completa
4º - Transcreve-la para o meu blog
5º - Não se pode escolher o livro. Tem de ser mesmo do que estiver mais perto e a 5ª frase da página 161
6º - Passar o desafio a 5 pessoas

O livro que acabei de ler é a Fórmula de Deus, de José Rodrigues dos Santos e a frase é:
"Os fotões são particulas sem massa, encontram-se em estado de energia pura e nem sequer experimentam a passagem do tempo."

Como sou novo por cá, e acho que já todos os que conheço já responderam a este desafio, lanço o repto àqueles que por cá passem e que ainda não tenham para publicar nos seus blogs e assinalar aqui.

Assim, sempre é da maneira que vou conhecendo blogs novos.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Segundos Passos

De regresso a mim mesmo e ao mundo, reavalio tudo e todos à luz do novo (velho) “eu”, inclusive a mim próprio. A senda continua…

Como os nossos antepassados nómadas, paro frequentemente em busca de pontos de referência. Não existem mapas nem GPS para a rota escolhida, convém certificar-me de que continuo no caminho escolhido. “Tudo bem, estás óptimo”.

Nas pequenas deambulações da vida, vou encontrando outros viajantes. Trocamos impressões, damos indicações mútuas. Por vezes, apenas isso. Outras, decidimos pernoitar juntos antes de cada um seguir a sua viagem. Outras ainda, descobrimos que o destino é comum e a companhia agradável e passamos a caminhar juntos.

Apercebo-me também dos “outros”, os não-viajantes, a multidão dos locais por onde passo. Aqueles que aprenderam a gostar lugar onde estão, os que se resignaram, os obstinados que se recusam a dar mais um passo, os que protegem o seu casebre com unhas e dentes, os que habituam palácios sumptuosos que outros construíram e mantêm, os que não sonham que existem outros lugares para lá do seu, os que não estão em condições de viajar.

Um viajante não censura, cedo aprende que a diversidade habita o mundo e isso faz dele maravilhoso. Há algo fantástico, é que os viajantes se reconhecem uns aos outros entre a multidão. Não por seguirem na mesma direcção, apenas por que partilham o mesmo olhar de irrequietude, de busca interior, de serena confiança de que preferem percorrer mais uns quilómetros de desconhecido do que permanecer onde estão.

Há não-viajantes que também nos reconhecem. Pedem que contemos histórias das nossas viagens. Uns apenas para viajarem eles próprios por uns instantes, outros para se refastelarem na sua superioridade de pequeno conforto adquirido. Outros ficam a sonhar… Alguns, muito poucos, perguntam como viajar. Respondo sempre o mesmo, “não é como, é porquê. Se tens razões para viajar, põe-te a caminho.” Outros ainda, precisam de ajuda para seguir viagem. Acho que devemos sempre parar para ajudar, um dia vamos precisar também, queremos que nos façam o mesmo. Além disso, um pequeno atraso numa caminhada de uma vida não é nada e, quem sabe, até podemos ganhar outro companheiro… talvez até descobrir que se chegou ao destino.

Pelo caminho, ficam também noites solitárias em cavernas frias, dias de caminhadas à secura do sol ou sob o ímpeto da chuva. E também festas, carinhos, diversões, maluqueiras e afins. Lugares que quase nos prendem, outros dos quais fugimos. E ainda erros, estupidez, passos em falso, e atalhos errados.

“Nada que não soubesses quando partiste” comento para mim próprio.

E, nos momentos de solitária reflexão, entoo o lema dos Viajantes: Mais importante que chegar ao destino, é reconhecer que não se está lá. E aproveitar a viagem.

P.S. – Um grande abraço para todos os viajantes, alguns dos quais (re)conheci aqui.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

A magia da Empatia

Vivemos em busca permanente. A nossa demanda não é o Santo Graal, não é a Fonte da Juventude, não é o pote do Jack no fim do arco-íris… buscamos sempre, todos os dias, a todas as horas do dia, Empatia. Usamos muitos nomes. Dizemos que procuramos companheirismo, amizade, diversão, etc. Na verdade, todos buscamos aquele sentimento mágico de quando outro ser humano se coloca exactamente no nosso lugar.

A inebriante sensação de total liberdade que vem do simples facto de alguém entrar completamente dentro de nós, a fantástica noção de preenchimento e felicidade completa, total e avassaladora, quando podemos remontar a uma experiência tão primária, tão para além da comunicação verbal. Quantas vezes deixamos o nosso lado racional levar a sua avante e não paramos para desfrutar um pouco quando breves momentos destes ocorrem. É impossível ter permanentemente empatia. Implicaria alguém estar sempre dentro de nós, o que implica negar-se a si próprio. Mas quantas vezes não corremos o risco de a experimentar!

Curiosamente, este pensamento surgiu devido a sexo. Muito melhor do que quando simplesmente nos entregamos a prazer egoístas (que também é bom) é o verdadeiro prazer de passar uma noite de sexo empático. Os beijos no sítio certo, as carícias com o timing perfeito, os olhares cúmplices, os risos espontâneos, a excitação simultânea, o movimento sincronizado dos corpos. Aí está porque, com a mesma pessoa, podemos ter experiências tão diferentes. Haverá sexo melhor do que aquele em que mergulhamos na alma da parceira e, por sua vez, ela mergulhou na nossa? A rapidez com que se passa subitamente de um olhar cúmplice e um sorriso beatífico para a expressão animalesca do mais puro desejo, o adivinhar perfeito da vontade mútua, tanto que, durante umas horas, os indivíduos desaparecem e o casal se funde…

Como tudo o que é bom, a empatia é mágica, mas não aparece por magia. Exige que se abandone o próprio umbigo. É tão frágil que a mais pequena dose de egoísmo é suficiente para a aniquilar, um simples vestígio de desrespeito a suprime. Não me refiro a suprimir o ego, apenas o egoísmo. Exige, também, a disponibilidade da entrega, permitir que todo o nosso ser fique exposto, dar sem esperar receber. Implica correr o risco da humilhação, do ridículo, do julgamento de outro. Há riscos que valem muito a pena!... e não falo apenas de sexo.

A empatia pode existir sem amor, pelo menos a espécie de amor “para toda a vida”. Mas será possível amor sem empatia? Sem a coragem de nos expormos realmente? Sem abandonar as nossas exigências, os nossos receios, os nossos preconceitos sobre os outros, os nossos preconceitos sobre nós mesmos?

Quero escolher sempre a disponibilidade para a entrega. Não quero ser o guarda prisional de mim mesmo, trancando-me numa auto-imposta cela de reserva e medo, privando-me da liberdade de experimentar os pequenos momentos de empatia que aparecem nas nossas vidas, mesmo que sejam únicos e que não se voltem a repetir. E de os dar também. E, mais uma vez, não falo só de sexo.

Há riscos que valem mesmo a pena…

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Sós ou Mal Acompanhados?

Vejo as suas mágoas, tantas vezes mascaradas com sorrisos frágeis e desvios de olhar. Reconheço as suas inseguranças entre as aparatosas apresentações de autoconfiança. Sinto as suas dúvidas nas mais portentosas afirmações de certezas inabaláveis. Contemplo a sua solidão no incessante galopar das suas palavras, que usam como arma para calar qualquer silêncio que lhes ameace gritar aos ouvidos…

E vejo o medo! O medo de não ser apreciado, de não ser aceite, o medo da solidão. Encontro pessoas perdidas dentro de si próprias, ofegantes por conforto, carinho e Amor. Sinto-lhes o desespero de ter QUALQUER coisa, tudo menos o desconforto frio, o vazio gelado, de ficarem sozinhos consigo próprios.

Conheço bem os lugares tenebrosos e escuros por onde a alma torturada vagueia. Reconheço-lhes no olhar quando um qualquer fantasma se apodera e lhes arrasta o pensamento para os sombrios vales da Solidão, da tristeza e da Auto-Comiseração.

Sempre com medo de se revelarem realmente, de se expor totalmente. Falam e escrevem por trás de risos e banalidades pseudo-sérias, com fervor e ardor nas convicções que acreditam dever ter, no comportamento que imaginam que os outros acham o seu… e, no meio, disfarçada e subtilmente, a prece por aprovação, por conselho, por ajuda, por um guia. Alguém que lhes pegue na mão e afaste os medos com a força do seu Amor, na qual se possam confortar e ser transportadas para aquele cantinho agradável que só quem já amou e foi amado conhece realmente. Revejo-me a mim próprio enquanto o observo nos outros. Relembro o quão fácil é cair neste falso silogismo, ceder à doce tentação de entregar-nos a nossa felicidade a alguém que vá sempre estimá-la e cuidá-la, tudo na vã promessa de fazermos o mesmo. Sei o quão agradável é colocar a nossa alegria na mão de outros e simplesmente ir cobrando parcelas, como se de uma renda se tratasse.

Sei o quão falso tudo isso é. A diferença entre entrega total e arrendamento especulativo.

Conheço e renego a solidão que leva a termos no nosso mundo quem realmente não queremos, que apenas aceitamos porque estão lá. A facilidade com que nos prostituímos e trocámos o que de mais valioso há em nós, o nosso “eu”, por uns minutos falso de ilusão de companheirismo, parceria ou amor. Ou, então, a arrogância com que nos convencemos da nossa imunidade aos outros, da nossa indiferença aos seus ataques mesquinhos, da nossa impermeabilidade à sua natureza parasita e predatória.

Com que facilidade esquecemos o conselho dos nossos pais: “Mais vale só que mal acompanhado”. (Talvez aí esteja o erro, não é , é simplesmente sozinho.) E com que leviandade esquecemos as palavras dos nosso avós: “Diz-me com quem andas, e eu te direi quem és.”

Nenhum homem é uma ilha, mas cada um de nós é um indivíduo. Não vale a pena afogar-nos em solidão quando estamos rodeados de multidão. É desnecessário tanto esforço para nos protegermos, quando, no final, somos nós próprios que nos minamos. É inútil procurar nos outros o consolo de nós próprios quando não deixamos ninguém entrar…

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Reencontro Casual

Num acaso feliz, lembrei-me de ti exactamente quando cá estavas. Ao invés da conversa habitual entre dois ausentes e a promessa (quase sempre fútil) de um café, tive a oportunidade de te levar a jantar.

Já estava atrasado, agastado por um dia demasiado comprido, quando finalmente te vi. No entretanto, tinha meia dúzia de mensagens tuas, a reclamar de fome. Estavas em frente ao teu hotel, com o teu melhor sorriso vestido e uma das tuas muitas mini-saias. Os teus olhos lampejavam de carinho e antecipação.

Eu estava hesitante, mas confiante na nossa anterior cumplicidade. Acima de tudo, não podia esperar para estar contigo, sentir o suave calor de uma companhia íntima, do teu riso cúmplice, do teu sorriso enternecedor. Queria estar com alguém seguro, onde me pudesse refugiar por uns instantes e relaxar o sentido de protecção.

Tu querias simplesmente rever-me.

Entraste no carro e arranquei. Durante uns segundos, tirámos as medidas um ao outro, numa tentativa de identificar o que ainda restava da pessoa que conhecíamos tão bem, o que tinha morrido, e o que tinha nascido para o substituir. Rapidamente nos apercebemos que continuava tudo lá, tudo o que fazia do outro alguém próximo, alguém íntimo. Contei-te tudo… E finalmente pedimos o jantar! Desde logo, como sempre entre nós, a conversa fluiu fácil e em catadupa, de assunto em assunto, de mim e de ti, das pequenas coisas que mediaram o nosso última encontro, há tanto tempo atrás. Deixei-me elevar, pulando de sorriso teu em sorriso teu, brincando, divertindo-nos.

A conversa ganha asas com o vinho e adquire vida própria, nem eu nem tu a controlamos, apenas nela participamos. Como sempre, podemos falar de tudo. Contas-me os teus planos e projectos, já bem estabelecidos. Eu mostro-te aquele que estou a (re)aprender a ser. Abruptamente, verificamos que temos de pagar, já é meia-noite. Sem nunca deixarmos de falar, encontrando em cada coisa um ponto de viragem e de partida para o nosso diálogo, vagueamos um pouco pela cidade que não é nossa.

Chegámos ao teu hotel. Horas depois, foste finalmente descansar…

E eu arranquei com um sorriso dentro de mim, sentindo: reencontrei uma pessoa fantástica, uma mulher encantadora e uma verdadeira Amiga!

Aposto que houve quem pensasse que era mais do que isso...

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Primeiros Passos

Dou (de novo) os primeiros passos no planeta Terra. Experimento ainda a nervosa sensação de estranheza. "O mundo não está como eu me lembrava dele", penso para comigo.

Experimento o contacto com pessoas novas. Recordo-me de mim próprio, muitas vezes a alma da alegria. Sempre me dei bem no contacto social. Quando viajo, quase sempre entabulo conversa com alguém.
"É como andar de bicicleta. Nunca se esquece." Sorrio com este pensamento e animo-me.
"Não te esqueças, há que gerir bem as expectativas. E dá-te apenas às pessoas que te quiserem receber!", exclama a vozinha da auto-protecção.
"Não te preocupes tanto. Sei o que estou a fazer."

Vamos sair, são me apresentadas pessoas novas. Rio, converso, questiono. Faço outros rir e descontrair enquanto falamos de tudo e de nada, numa sucessão sem sentido para quem não está lá. Facilmente, descontraidamente, apenas pelo prazer de conhecer pessoas novas, realidades distintas. Por sua vez, fazem-me rir a mim, partilham um pouco de si. Os nossos caminhos cruzam-se, ainda que por breves instantes.
"Todo o homem que encontro me é superior em alguma coisa. E, nesse particular, aprendo com ele." - Emerson.

Inesperadamente, estou temporariamente sozinho, num oceano de desconhecidos. Bem, talvez apenas um pequeno lago. "Muito bem, como estás? Lembra-te que disseste estar cicatrizado, mas não convém esforçar cicatrizes tão frescas. Seguras-te sozinho?" questiona a vozinha. "Está tudo controlado. Vai descansar", respondo sorridente.

Mesmo assim, finco os dois pés no chão e lentamente percorro o espaço com o olhar. "Não há problema, estive acompanhado por prazer, não por necessidade", concluo. Os meus olhos encontram outros na noite. Um par deles exibe uma expressão triste. Deixo o meu sorriso interior espreitar para os meus lábios. O sorriso de resposta é estranho: não é tímido, não é amarelo, não é de defesa... é solitário, como uma prece de ajuda. Não forço, continuo a deixar o meu olhar percorrer toda aquela gente que dança e (aparentemente) se diverte. Permito-me entrar um pouco em recordações, testando-me. "Sim, o tecido cicatricial ainda experimenta alguma dor, mas aguenta." Exploro um pouco mais, vou um pouco mais longe. Não tenho que fingir, não tenho que fugir. É possível misturar o prazer de estar ali com alguma nostalgia e alguma dor.
Volto a fixar os olhos tristes. Reparei que têm estado furtivamente a tentar encontrar os meus. Percebo porquê, não é habitual alguém estar tão à vontade pelo facto de estar sozinho. Transpareço auto-confiança, talvez um pouco mais do que a que sinto. Ou então transparece a serenidade de quem está à vontade com tudo o que acontecer.
Viajo até aqueles olhos. "Olá. Tudo bem?" Nada de frases pomposas ou de engates parvos. Conversamos um pouco, os olhos vão mudando um pouco de expressão. Chega uma amiga dos olhos tristes, olha para mim e pergunta, por entre o caucofonia da música, "Tudo bem?". Ela acena com a cabeça que sim. Conversamos mais um pouco. Não danço, apenas me balanço um pouco, deixando a música atingir-me, em ondas. Ela dança, um pouco. Vai-se animando.

Eis que retornam os meus novos-conhecidos. Os olhos tristes fogem da exposição como uma barata da luz, mas encontro-os mais tarde, uma única vez, olhando-me com mais ânimo. A noite prolonga-se até de madrugada, ficamos a rir, a conversar e a descontrair até altas horas. Sai uma guitarra do carro, afino-a e canto qualquer coisa. Prolongamos o convívio até ao máximo.

Retenho o que ouço, tento aprender. Respondo como habitualmente, demasiado sincero e directo. Sei que me exponho, mas também sei que é por isso que as pessoas geralmente confiam em mim tão pronta e rapidamente.

Os primeiros passos de regresso a mim mesmo. Não, não é preciso esquecer, não é preciso odiar, sentir raiva, olhar (apenas) em frente ou qualquer um destes escapes. Eles dão apenas uma ilusão de segurança, úteis apenas se não se olhar para lá do vazio que representam. A realidade tem de ser entendida em toda a sua plenitude, o mundo apresenta-se como um estranho complexo, hostil e cativador, belo e agressivo.

Cabe a cada um de nós encontrar o seu papel nesta dicotomia, sem subterfúgios nem inanidades, mas tal como ela é.