quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Sonhar?

Sonhar, sempre! Voar alto e longe. Renunciar os medos, aceitar os tombos, desfrutar das vitórias. Viver intensamente.

E não desesperar... Saber que a vida é uma incógnita e que o cosmos se rege por leis mágicas e mutáveis. Dar cada passo num trilho que construímos nosso, mas com os materiais que nos são dados.
Aceitar que todos os outros o façam também. O cruzar de trilhos é inextrincável, complexo e belo. Dele nascem novos sonhos, novos tombos, novos prazeres.


Deixar que os sonhos nunca morram na ideia, e saber que a forma apenas em parte depende de nós. Compreender que nós próprios precisamos de lutar pelas coisas, fisica, mental e emocionalmente. Sentir que "a espera é".

E sonhar sempre...

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Carta ao Pai Natal

A Azul lançou o desafio, portanto...


Caro amigo,

Já há muitos anos que nos andamos a dar mal. Culpa tua, só pode. Mas eu não sou rancoroso e como tal vou-te dar uma última oportunidade.

Pensei em pedir o Euromilhões, mas anda tanta gente a pedir o mesmo, que o prémio vai dar uns €8 a cada um, e eu ainda ficava a perder €2.
Lembrei-me de seguida de te pedir saúde, mas como fumador, achei que isso devia começar por mim (mania da responsabilidade individual, só perco por isso).
Pensei, de seguida, em pedir-te paz na terra, amor entre os homens (todos menos eu, que nada tendo contra, não gosto de paneleirices), e o fim da pobreza. Contudo, há c'anos que te pedem estas coisas, em 30 línguas diferentes, e tu nunca cumpriste, portanto... why bother?
Imediatamente me vem à mioleira que talvez possas redistribuir melhor a riqueza, aproveitar os recursos, acabar com a poluição, mas como tenho fortes suspeitas que estejas debaixo de um lobby comercial...
Quando de repente se formava um pedido banalíssimo (felicidade), lembrei-me do nosso historial de Natais passados e achei melhor não arriscar a pouca que tenho.


Assim sendo, como prenda de Natal, peço-te que me dês paciência para as fritas da tola que me aparecerem à frente.

Acabo com uma prece adaptada do Cristianismo: "Pai Natal me dê força para mudar aquilo que não posso aceitar em mim e discernimento para aceitar aquilo que não posso mudar." Pegando numa piada já batida, remato com "Quanto aos meus inimigos, dai-me paciência, porque se me dás força, rebento-lhes a cara!"

Abraço desconfiado,

Eu


(espero que o sorriso tenha aparecido ;), se quiseres faço outra noutro estilo e envio-te por mail. Beijo e força)

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Fuga à Autocomiseração

Enregelado, exausto e faminto, forço-me a levantar a cabeça e abrir os olhos apesar do vento cortante. Olho em volta, tentando descobrir um caminho por onde sair deste vale imenso, sem saber sequer se terei forças para o percorrer.

Repentinamente, tomo consciência de onde estou!

Como não reconheci o lugar?! Já cá estive antes! Este vale escuro e gélido, onde a vontade falta, as forças falham e o alento fraqueja, e onde o vento nevado esconde tudo o que nos rodeia, alberga a fonte do Desespero. Enfurecido comigo próprio, relembro a viagem anterior a este lugar. Vinha ferido, moribundo, um despojo de mim próprio. Penso nos longos dias que aqui permaneci, bebendo cada vez mais a água glaciar da fonte, saciando-me a minha sede de auto-comiseração.

"Sim.", ouço-me pensar. Essa é a palavra chave, essa é a porta de entrada para aqui. Auto-comiseração. Talvez o pior dos vícios humanos, sem dúvida um dos mais inúteis. Enfurecido comigo próprio, sinto o sangue a latejar-me nas veias, enquanto o calor do ímpeto me dá forças. Relembro a vil armadilha a que nos entregamos, em que nos enclausuramos pela nossa vontade.

"NÃO!", exclamo, enquanto corro a plenos pulmões para a saída. Rejeito ficar aqui, rejeito permanecer no frio antecipado. Corro desenfreado para o Sol dos momentos felizes, para o Calor das coisas simples, para os momentos de felicidade que possam aparecer. Mergulho de chofre na realidade, e esfrego-me vigorosamente, lavando os resquícios da pena por mim próprio.

Sereno-me, deitado na praia, enquanto retomo o fôlego. Rio-me de mim próprio. "Saís-te de lá, mais uma vez. Vê se não te deixas cair outra vez."

Contemplo o pôr do sol, enquanto descanso...

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Obstáculos

Pesado e triste, sozinho como sempre, venho à tona do lago da doce ilusão e recebo na cara os raios da realidade. Não será fácil o caminho e talvez nunca seja o previsto. Talvez o que tanto almeja nunca aconteça, e fique para sempre um trauseunte na vida, alheio à felicidade...

Um verdadeiro viajante, repito para mim próprio, está preparado para a busca incessante e para a possibilidade de falhanço, de fracasso... Resta saber se este aprendiz na arte de viajar, de se percorrer a si próprio e de perseguir a plenitude, irá resisitir ou sucumbir às desilusões e obstáculos que a vida lhe coloca à frente. Se consegue encarar o que mais almeja ser destinado a outros, se consegue enfrentar ser despojado de tudo e enfrentar nu o vento agreste e o frio cortante da amargura, enquanto força os pés gretados a dar mais um passo na direcção do calor desejado.

Mais uma vez, enquanto me abrigo em mim próprio, questiono a minha própria força interior e a minha determinação. Sinto, a cada segundo, que sou enfraquecido e entorpecido pelo vento glaciar.

Nem por um segundo penso em voltar atrás, para a falsa segurança da Cidade da Soberba ou para a Veneza das Almas, onde sou aceite pela máscara que usar!

Mas será que consigo enfrentar novamente a Antárctida da desilusão? O vento frio vai-me enregelando cada vez mais, e sinto a racionalidade voltar para me salvar deste mundo de sofrimento. Sem emoções não há felicidade, mas também não existe sofrimento...

Escaparei ileso? Serei eternamento salvo (e preso) pela racionalidade? Ou deixar-me-ei enlouquecer enquanto enfraqueço até à morte, suportado no entretanto por doces ilusões e desvairos de loucura?

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Terceiros Passos

As armadilhas sucedem-se no percurso, enquanto continuo a deambular pela vida. Curiosamente, não passam mais do mesmo, as mesmas armadilhas de sempre, transpostas para situações sempre novas, sempre diferentes.

De rumo escolhido, e confiança renovada, trilhei rapidamente caminhos na direcção pretendida, com a forte aspiração da conquista e da descoberta de algo novo. Sabia que não ia ser fácil, que o rumo pretendido era exigente e duro. E desconfortável. Como esperado, os primeiros dias foram feitos sem problemas de maior, numa redescoberta da mesma vida de sempre, por outros olhos. Os problemas ao longe eram duros, sabia, mas havia de os superar ou de aprender com eles. "Em frente, em frente, percorrer o caminho."

Chego a um desfiladeiro, tão igual e diferente a todos os outros. O meu caminho passa por aqui, faz parte do percurso que escolhi. Tem de passar, aliás, não há atalhos na vida, a vida é o caminho percorrido. "O caminho é mais importante que o destino", alento-me. Sinto-me sereno, confiante, invencível. Lanço-me ao caminho. Na minha mente, estão os abismos a evitar. O medo, o orgulho, a raiva, a solidão... Penetro por entre os tortuosos trilhos, percorro o desfiladeiro frio e escuro da tortura, para emergir do outro lado, incólume.

Avisto uma pequena povoação, onde decido repousar de tão esgotante marcha. Aqui as pessoas são simpáticas, calorosas, amigas e divertidas. A cidade é rica em carinho, prolífera em ideias e ideais, fundada na Liberdade e no Respeito. Banho-me nos sorrisos e nas palavras de conforto e de prémio. Bebo profundamente do cálice da aprovação e da camaradagem, inebriado pela doce ilusão de partilha e de sinceridade, intoxicado por perfumes exóticos e familiares, seduzido por orgias coloridas e excitantes. Demasiado perdido em mim mesmo, e nos triunfos recentes, não reconheço que este sítio faz parte do desafio e afundo-me na minha nova imagem de mim próprio.

Apenas algo dentro de mim subsiste. Algo que questiona sempre, que não para de me interrogar, de me provocar, que tudo é uma ilusão, que não é por acaso que esta povoação se situa tão perto da saída do desfiladeiro. "Alimenta-se de quem de lá sai", diz-me. Encolho os ombros, como se a expulsar um peso de cima deles, gesto infrutífero. Decido carregá-lo enquanto me perco cada vez mais na falsa segurança de um meio ambiente fácil e controlado.

Subitamente, um outro viajante passa por mim, reconhece-me como tal. Mais experimentado, e não sendo a primeira vez que aqui se encontra, conhece perfeitamente a armadilha onde me encontro, a sua subtileza, as suas teias de seda e masmorras de ouro. Infelizmente, nunca fui uma pessoa subtil... Com uma pequena palavra, revela-me a sinceridade, o carinho verdadeiro, a simplicidade do companheirismo e a pureza da amizade. Desperta em mim a cumplicidade e, consequentemente, rasga todas os véus que me cobriam a alma. Docemente, pacientemente, aguarda que desperte do transe e que me aperceba do logro. E sorri...

Lentamente, talvez demasiado, reparo que a cidade é uma ilusão, repleta de ardis subtis, falsas simpatias e sorrisos traiçoeiros. É a cidade da Soberba, que nos seduz veladamente, ocultando-se na profusão de cores, sabores e diversidade de experiências agradáveis.

"Foi por pouco", penso, à medida que vou tomando consciência.

A viagem não pode ser feita a solo, e ninguém é invencível. Quem o acreditar, fica preso na Cidade da Soberba. É uma cidade lindíssima. É uma prisão dourada...


Contemplo o rosto do viajante e sorrio de volta. Vejo a beleza pura, não da perfeição, mas quem possui a mesma vontade de ir mais longe, dentro de si, a mesma irrequietude pacífica de busca de si próprio e da sua própria complexidade. Reconheço mais um Viajante da Plenitude, belo, em todo o seu esplendor


"Estarei para sempre grato pelo que fizeste."

"Eu sei", diz ela com naturalidade. "Mas não precisas."

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Diz que não é um mau blog

A Sofia, do blog A Caixinha dos meus botões, ofereceu a este blog um prémio. Ora, acontece que reflecte exactamente aquilo que eu penso do meu blog, portanto, gostei. Além disso, demonstra que um leitor gostou do blog, e resolveu assinalá-lo nas suas sete escolhas.

Dado que um blog, na minha opinião, não é um diário nem um monólogo, acho importante a interacção entre os blogs. E, tal como nas relações não virtuais, é importante darmos sinais de que gostamos, incentivar e apoiar, e estas correntes de prémios ajudam na divulgação de outros blogs.


Embora aprecie imenso o prémio por essas razões, concordo completamente com o Vício, aquando do seu ataque de mau feitio.

As regras são:
1.Este prémio deve ser atribuído aos blogs que consideras serem bons, entende-se como bom os blogs que costumas visitar regularmente e onde deixas comentários
2.Só e somente se recebeste o “Diz que até não é um mau blog”, deves escrever um post:
-Indicando a pessoa que te deu o prémio com um link para o respectivo blog;
-A tag do prémio;
-As regras;
-E a indicação de outros 7 blogs para receberem o prémio.
3.Deves exibir orgulhosamente a tag do prémio no teu blog, de preferência com um link para o post em que falas dele.

4.(Opcional) Se quiseres fazer publicidade à criatura com demasiado tempo livre para gastar em parvoíces, e que teve a ideia de inventar este prémio, ou seja eu – Skynet, podes fazê-lo no post que eu fico agradecido :)



Por isso, exibo com carinho o prémio que me foi oferecido, mas não vou colocar quaisquer links para um blog que não conheço, pois já está aqui exposto.

Quanto a blogs, acho muito difícil seleccionar sete de entre todos os que visito, apenas e só porque todos os que visito são para mim blogs bons (caso contrário não ia lá). Dado que não há uma temática específica no prémio, que me permitiria aplicar um critério de selecção, a não ser ser o de "não ser um mau blog", não vou escolher quaisquer blogs.

Eu só começo a comentar num blog depois de o ler um pouco e de me intrusar no seu espírito. Assim, todos os blogs em que deixo comentários, alguns deles aqui linkados, podem desde já saber que eu acho que até nem são maus blogs.

Para a Sofia, pelo carinho e bom humor para com este meu canto, deixo um grande beijinho e um obrigado. A caixinha é um espaço muito agradável e onde neste momento se desenrola uma história que estou a seguir (por falar nisso, onde está a parte III?)

Beijos e abraços para todos.

sábado, 17 de novembro de 2007

Patetices

Do mais pequeno gesto, simples, banal, corriqueiro, ele retirou um sorriso enorme... Uma onda de calor subiu-lhe ao rosto e fez com que um sorriso parvo lhe embeiçasse o rosto.

"Porque estás tão contente? Parece que tens motivos...", admoesta-se. O teimoso sorriso de idiota teima em não sair. Sente-se bem. Está contente, confiante, pateta, divertido. Apetece-lhe... não sabe o quê, correr, cantar, dançar, divertir-se. Rir-se. Abraçar alguém. Caminhar em passo leve, conduzir horas a fio ou nadar no mar.

"Mas porquê?"

Ele sabe a resposta... Encolhe os ombros e pensa, "Patetices!"

E continua a sorrir...

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

A Tortura do Medo

Um aperto no peito, respiração difícil, os músculos presos. E um bater cada vez mais forte do coração, nervoso, quase que sem ritmo definido.

Uma onda de auto-recriminação invade-a. Fica furiosa! Porque há-de ser assim?! Porque foge quando não quer?! Porque se retrai quando quer avançar?!?! Porque há-de ser sempre assim?...

Não há explicação para aquele medo que a toma de assalto. A sua vida não teve sobressaltos de maior. Tudo foi muito pacato, muito sereno, as dificuldades usuais, os problemas habituais. Alguns momentos difíceis. Algumas decepções. Algumas alegrias. Nada de mais. Nada de mais...

E é isso que a desconcerta, que a enfurece, que a magoa que a entristece, tudo ao mesmo tempo! Que a faz envolver-se em mil e uma coisas. Ela sabe que é simpática, que é inteligente, que é agradável. E ela sabe que é apaixonada, que é carinhosa e meiga. Só ela sabe o quanto é isso tudo, o quanto tem para dar!! Sabe perfeitamente que se deixa ficar para trás por medo, que se encolhe e se aninha. Faz questão de criar distância mal alguém esboce um movimento na sua direcção.

E depois recrimina-se... Interroga-se uma e outra vez porquê! Porque não se liberta daquele medo, medo de tudo o que não conhece? Porque se deixa prender por teias invisíveis? Quer libertação, libertação de si própria e do medo que a enfraquece, que a faz parecer o que não é...


Às vezes dá um tímido primeiro passo. Expõe-se um pouquinho, dá um pequeno nada de si, na esperança que Alguém repare, que Alguém a salve.


Fica triste quando ninguém aparece. Retrai-se imediatamente, desconfiada, insegura e receosa, se alguém repara... Depois, recolhida em si mesma, questiona-se, censura-se, recrimina-se, pune-se... num ciclo vicioso.


Ela sabe o que tem de mudar. Ela sabe o que tem de fazer. Mas não consegue. Ainda não consegue...

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A Menina do Forte

Foi traída pelo sorriso.

Mulher sociável e cosmopolita, extremamente simpática, é inteligente e sagaz. Um sentido de humor perspicaz. Envolve-nos na conversa, o olhar monopoliza a nossa atenção. Confrontada com naturalidade, responde prontamente, a conversa flui. Fala longamente de si, conta as suas
mágoas, as suas alegrias, os seus medos, os seus sentimentos. Deixa-se levar no momento com confiança e serenidade...

Foi o sorriso que a traíu.

Usava o sorriso como um escudo, deflectindo toda e qualquer intrusão ao seu espaço. Um medo terrível a assola constantemente. É básico e instintivo, fruto de anos de prática. Morre de medo de alguém penetrar naquele jardim secreto. Erigiu à sua volta um forte, que defende com todas as armas. O seu sorriso é o seu escudo, mas o humor é a sua arma. Usa a brincadeira para lançar uma névoa sobre aquele espaço íntimo. Como água, escoa-se por entre os dedos quando a tentamos pegar. "Não é com as mãos que se transporta água", penso.

E, depois desta consciência, tudo o resto tombou, as paredes do forte tornaram-se transparentes. Ela usa as palavras porque lhe permitem distanciar as emoções. Embora íntimo, tudo o que conta permite-lhe, pensa ela, criar a última barreira ilusória, em que defende aquele espaço sagrado. Com as palavras, tenta desesperadamente tomar o controlo das conversas, numa tentativa vã de se esconder.

Por último, também o olhar se desvenda. O seu olhar, quando compreendido, traduz o turbilhão de emoções e a confusão que lhe tolda os pensamentos. Assusta-se facilmente, rapidamente se torna desconfiada. As suas próprias emoções estão em constante mutação. O que se mantém sempre é o terrível medo de estar vulnerável.

Ilude-se... Acredita que a sua constante fuga lhe preserva aquele espaço secreto, quando na verdade está exposto através de muralhas de cristal. O seu precioso forte é a sua maior ilusão...

Por o acreditar escondido, é que se magoa tanto. Por isso é que a conseguem magoar tanto...

sábado, 10 de novembro de 2007

Cadeira de Baloiço

Após uma longa ausência, instalas-te para a costumeira reflexão. Vens redesenhar o mapa da tua vida, esclarecer dúvidas, explorar rotas e adquirir mantimentos.

Aqui é onde sempre paras, o teu porto de abrigo, que te habituaste a usar para te reencontrares. Foi aqui que sempre pudeste manifestar todo o teu ser, o bom e o mau. Só aqui abandonavas a personagem da tua vida e eras tu própria, onde podias extravasar os pensamentos mais loucos e mais cruéis, as atitudes mais egoístas e mesquinhas, os medos mais profundos. E era embalada nesta cadeira que te reequilibravas, apenas aqui conseguias encarar-te sem fugas, sem medos.

Quase nem notas a diferença, lanças-te imediatamente naquilo que te trouxe... mas algo te faz olhar em volta. "Há qualquer coisa diferente", pensas, enquanto tentas vislumbrar o que é. A velhinha cadeira de baloiço está diferente. Não te lembraste que, desde a tua última visita, e como sempre fazes, a cadeira ficou sujeita às intempéries. Sempre a encontraste nova, ou renovada. Mas, desta vez, os estragos foram muitos. A sol forte estragou as almofadas onde sempre te amparaste, a chuva infiltrou-se e deformou a estrutura que te suportava e o vento tombou-a vezes sem conta.

A Cadeira, como sempre, teve que se regenerar a si própria. Sozinha, refez-se como pôde, mas não é a bela cadeirinha de baloiço onde tu descansavas enquanto te embalava os sonhos. E não voltará a dar conforto a quem dela não souber cuidar...

Surpreendendo-me, vi-te sair para comprar pregos, madeira, tinta e ferramentas. "Quero a minha cadeira de volta, mas não como antes!"

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Um momento forte

“É muito fácil estar contigo”, disseste com carinho, “demasiado fácil. Ninguém pode ser assim para sempre.” Olhei-te, inquirindo sem falar, receoso das tuas próximas palavras. “Metes medo, porque tentas ser o impossível. Metes muito medo, porque o tentas genuinamente.” Mudaste de posição e encaraste-me de frente. “Tu próprio te condenas, porque as pessoas sabem instintivamente que não é possível ser sempre assim. Mas tu tentas sempre ser perfeito, criar momentos perfeitos… e tornas isso tão irresistível! Ninguém quer ser desiludido. E sabem que ninguém é sempre aquilo que tu és por vezes. Por isso fogem antes que as desiludas, antes que precises delas. És a vítima perfeita para o egoísmo, porque dás sem exigências, apenas por dar.”
“Ninguém dá valor àquilo que consegue de graça?”, perguntei com um sorriso falso.
“Também. Acima de tudo, ninguém te vai dar o que tu dás. Não há pessoas como tu. É muito difícil encontrares o que procuras. Porque eu não faria por ti o que tu fizeste por mim.” Puxaste-me os olhos para os teus. “Esse é outro problema teu. Fazes-me sentir mal por saber que eu não faria o mesmo, fico a sentir-me inferior. Ninguém quer ser lembrado daquilo que não consegue ser.”

Com o teu dedo na minha ferida, desviei os olhos para o mar e tentei em vão conter os pensamentos. Fixei-me no reflexo da lua no oceano, mas senti-me afogar num mar de tristeza, num vazio escuro, como se estivesse debaixo das ondas que contemplava… Mais uma voz que me diz que o caminho que percorro será sempre muito solitário. Sou reenviado a lugares tenebrosos, as dúvidas voltam, a tristeza instala-se de novo.

“Será assim tão mau querermos ser melhores?!”, murmurei, quase para mim mesmo.
“Não, mas lembra-nos que não somos perfeitos, que não somos quem queremos ser, que nos desiludimos a nós próprios. É como a morte, eu sei que é assim, mas não penso nisso. Aqui é o mesmo. Eu sei que não sou perfeita, mas tento não pensar nisso. E depois olho para ti, a queres ser melhor, a admitires as tuas falhas, a aprender com elas… dá-me raiva. E dá-me vontade de te abanar e perguntar o que sabes que eu não sei, porque tens de ser assim.” Suspiraste. “És 8 e és 80. As mulheres gostam de extremos, mas apenas um de cada vez.”

Ficámos em silêncio alguns minutos (anos?). Despedimo-nos ali, tentei dar-te um abraço dos meus, deste-me tu a mim. Assumiste o papel de mulher mais velha pela primeira vez, e disseste: “Pensa no que te disse, não quero que sofras… e tu assim vais sofrer!”
“Não te preocupes comigo, põe-te bem.”
“É disso que eu estou a falar, eu vou estar bem. Levo os momentos que tirei de ti, em troca de nada… Promete que pensas no que te disse!”
"Tenho pena de não te voltar a ver, são raras as pessoas que me deixam a pensar."

Não era preciso prometer, ainda não pensei em mais nada...

Um momento frágil

O trabalho tinha sido intenso, o evento correu bem, e voltávamos de umas horinhas de convívio e dança. Eu apressei-me para o meu hotel, para render ao máximo o tempo de que dispunha e dormir, como diz o meu pai desde que eu era pequeno, “com muita força”. Ainda só tinha despido uma manga do casaco, apenas para o voltar a vestir e sair do quarto bruscamente. Sem qualquer razão, desci e fui ao hotel em frente. Passei o átrio, desci as escadas, virei à esquerda, entrei numa sala, olhei para a esquerda… De olhar perdido num qualquer ponto, sentavas-te num sofá, com os joelhos encolhidos, os pés sobre o assento. De anoraque vestido, mangas a cobrir as mãos, como se quisesses reduzir ao mínimo a superfície de contacto com o mundo. Reparaste imediatamente em mim, os teus lábios abriram-se num sorriso sincero, os teus olhos brilharam por um segundo. E eu mergulhei dentro deles e recordei a primeira vez que te vi sorrir.

Por um único instante, que durou uma vida, os teus olhos renderam-se. Quebraste o contacto e retomaste a tua postura de normalidade. Indeciso, hesitei, sem saber como proceder. Acendo um cigarro, que detestas, e tomei as tuas mãos nas minhas. “Porque estás aqui?” ouvi-me perguntar. A voz saiu meiga, mas firme, exactamente como me sentia. “Não me apeteceu subir”, respondeste, “E tu, porque estás aqui?”
“Não sei…”
Respirei fundo e puxei-te para um abraço “dos meus”. Deitaste a cabeça no meu peito e olhaste-me, e eu voltei a perder-me neles e percebi as dúvidas, a tristeza, a frustração e o cansaço. Contaste-me tudo, tudo o que nunca tinhas contado a ninguém. Afundaste o rosto na minha camisola e abraçaste-me com força. Levantaste os olhos e percorreste o meu rosto com as mãos, exploraste os olhos, o nariz, a boca, desceste pelo pescoço… Olhaste para mim e disseste que precisavas de um amigo. Lembrei-me dos teus olhares tristes e contemplativos, do teu passo lento e compassado, do teu sorriso e respondi-te que era por isso que estava ali.

O que foi dito, pediste para nunca mais ser repetido. Espero que fiques bem...