quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Aparências (II)

Irritava-a sentir-se só.
Queria ser verdadeiramente independente! Gostar de estar com as pessoas, mas não precisar de ninguém, de ninguém.

Considerava-se acima das outras. Não se deixava seduzir por meias-tretas. Não se deixava enganar. Criava as distâncias adequadas. Numa sociedade rápida e mutável, agarrava-se com força aos valores de sempre. Eram a única referência que conhecia, a marca que pautava o comportamento de uma mulher, um guia de conduta.

Considerava-se especial. Diferente do comum, da maioria. Muito rigorosa, muito profissional. Exigente com todos e consigo mesma. Eram muito poucos os que deixava entrar na sua vida, e ainda menos os que lá permaneciam. A verdade é que rapidamente a desiludiam. Ninguém correspondia ao que prometiam, ao que tinha imaginado delas.

E ninguém a compreendia... acima de tudo, ninguém a compreendia. Não percebiam o que era seguir a vida pelos padrões que lhe haviam ensinado, o esforço despendido para manter a cabeça em cima dos ombros. Sempre! O decoro era importante, bem como o respeito. Claro que não há problema em brincar, mas dentro de regras.

As regras eram muito importantes na sua vida. O seu incumprimento constante era sinal de um desprendimento e de uma inconsequência que não deixaria entrar na sua vida. As coisas sérias eram para ser levadas a sério!


Jamais se deixaria desiludir outra vez. Era preferível a solidão fria de um apartamento vazio! Mas custava-lhe tanto...

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Aparências

Sabia o que queria para si! O homem com que se imaginava seria atraente, forte, musculado, alto, culto, sensível, brincalhão, romântico, espiritual... etc. A lista apresentava um rol infindável e, se escrita, ocuparia dezenas de páginas. Depois de algumas experiências, e uma ou outra relação mais séria, tinha a plena consciência do que queria, do que não voltaria a ter, do que não voltaria a prescindir.

Não era ela bonita e agradável, divertida e querida?! Não possuía um sentido de humor requintado e inteligente? Porque parecia então que teria de ceder e aceitar menos do que o que queria? Não! Ninguém se deve contentar com menos! Ela não queria ser cobarde, não queria que a considerassem fraca. Não cometeria esse erro, não se acomodaria.

Era uma mulher independente! Educada e culta, experiente, assertiva e comunicativa. Muito profissional, dedicada e competente.

Acusavam-na de mau feitio...

Estava tão só...

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

A última passa

Todo o fumador a conhece. A última passa é diferente das outras todas, completamente diferente.
É sentida de maneira diferente, vivida de maneira diferente.

Começa logo por aí, temos de saber que é a última, antes de a começar, caso contrário não é a última, não sabe bem. O cigarro fica incompleto se não tiver a última passa. Precisamos dessa finalização, desse sentimento de concretização total do acto de fumar um cigarro para que se considere o último cigarro.
Todos os fumadores dão uma última passa no cigarro quando apressados para o apagar. "Porque não o deitas fora? Ainda estava a meio, de qualquer das maneiras..."

A resposta é fácil... porque independentemente da duração, daquele prazer efémero de duração incerta e mutável, precisamos de saber que é a última, que acabou. Ou o cigarro sabe mal, e apodera-se de nós uma sensação de mal-estar, um nervoso miudinho de quem tem algo para fazer, um estado agitado de obra deixada a meio.

Precisamos da última passa para marcar que o cigarro acabou, e que podemos andar livremente e satisfeitos.

Quando o fim de um cigarro não é devidamente percepcionado, todo o fumador terá de acender outro o mais depressa possível... às vezes só com o intuito de dar a última passa.

É claro que para o cigarro em questão, não deve ser agradável ser sorvido com a única finalidade de marcar um final, para depois ser lançado com um piparote para a sarjeta...

Desafio 7 Coisas...

A Maeve e a Helluah lançaram um pequeno (grande!) desafio aqui para o canto.

7 Coisas que sei fazer bem:

- Ouvir
- Sorrir
- Teimar
- Abraçar
- Intuir
- Provocar
- Beijar

7 coisas que não sei fazer:

- Para-quedismo (ainda!)
- Conter o que sinto
- Calar o que penso
- Esperar
- Tirar tempo para mim
- Velejar (ainda!)
- Esquecer

7 coisas que digo frequentemente:

- Foda-se! Puta que pariu!!
- Pois...
- Achas mesmo?
- Merda, esqueci-me do incluir os anexos
- Poucas coisas me chocam
- Carta (LOL!)
- Beijinhos (blogging)

7 coisas que aprecio no sexo oposto:

- Frontalidade
- Calor no olhar
- Sinceridade no sorriso
- Inteligência
- Desenvoltura
- Humildade
- Sentido de Humor

7 filmes preferidos:

- Sete Pecados Mortais (não sei se o desafio não me pôs este na cabeça)
- Forrest Gump
- Clube dos Poetas Mortos
- Uma Mente Brilhante
- A Lista de Schindler
- Kill Bill
- Saw

7 Actores favoritos:

- Scarlet Johansson
- Angelina Jolie
- Monica Belluci
- Natalie Portman
- Johnny Depp
- Nicholas Cage
- Anthony Hopkins

Prova... superada!

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

6 Coisas que Adoro

A Azul quis cuscar a vida de alguns bloggers e saber 6 coisas que adoramos. Como ainda não consegui dizer que não a esta cota-frita-da-tola, aqui vai:

Adoro a minha família! (ok, não toda, pais e mais alguns)
Adoro os meus Amigos.
Adoro música.
Adoro frontalidade, honestidade e sinceridade.
Adoro (bom) sexo.
Adoro um sorriso cúmplice.

Passo o desafio a:

Blackstar
Lady MIM
Gione
Tavguinu e Boda (separadamente)
Princesa Helluah
Cold_Cold_Bitch
Daniela
African Queen
Cati
Ana
Ana
Bagaço

Desunhem-se!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Barbas

Apetecia-me aquele prazer burguês. Sempre gostei que mo fizessem.
Dirijo-me ao espaço que penso ser próprio, preparo-me para me refastelar e vem a resposta: "Não fazemos isso."
Saio desiludido e entro noutro espaço. A mesma resposta.
Entro num táxi, vou para o outro lado da cidade. Começo a pensar que os tempos mudaram... Certos prazeres começam a ser mal vistos, nesta sociedade cada vez mais impessoal e de pronto a consumir. Não sobra grande espaço para o tratamento personalizado e a atenção dedicada do que pretendo. Começo a ficar frustrado.
Entro noutro espaço. Antes de me começarem a servir pergunto se me dão o que quero. Um sorriso profissional e mais uma negativa. Talvez ali, sugerem.
Percorro o corredor, já preparado para mais uma negativa. A menina de cabelo cor de rosa e piercings nas orelhas e tala na língua ouve-me e exclama: "Não efectuamos esse serviço!"
"Até parece que pedi um broche!", digo para mim próprio.
Quero apenas que me façam a barba. Refastelar-me enquanto alguém se dá ao trabalho de me rapar os pelos faciais, como sempre gostei.
Sei que o meu barbeiro faleceu, mas dirijo-me para lá, na esperança de que estejam abertos outra vez. Um familiar em arrumações informa-me que fecham aos Sábados ao meio-dia, agora... Não sabe onde posso ir.
Fazer a barba tornou-se um serviço quase proscrito, é demasiado pessoal, pode aparecer sangue e deve ser proibido por lei e verificado pela ASAE. Decido que tenho de me dirigir aos clássicos pontos de ligação com o submundo - os taxistas.
Pergunto a um, com bom aspecto, onde posso encontrar um barbeiro, daqueles que fazem barba e tudo. O homem parece confuso e aponta-me um colega. "Ele deve saber."
O tipo é enorme, 120 kgs, casaco de cabedal com forro de lã de carneiro, olhar carrancudo e duro. Faço a mesma pergunta. O tipo mede-me de alto a baixo e diz:
"Está a ver aquela casa amarela. Ao lado tem um rua estreitinha e escura. Suba a rua e quando ficar plana, entre na casa à esquerda. É a barbearia do Zé. É lento, mas faz-lhe a barba."
Sigo as instruções. Começo a subir a rua, afastando-me do resto da realidade. Passa um casal, muito novo, de fato de treino, com uma filha mascarada de joaninha. Um velhote, perdido de bêbado. Duas vizinhas, na cavaqueira sobre as outras, que me fitam sem pudor. Continuo a subir. Um jovem a acender um charro, olhar perdido e derrotado.
Entro na barbearia. Surpreendidos por me verem, três velhotes quedam-se em silêncio. Um deles levanta-se e manda-me sentar.
"Faz a barba?"
"Claro que sim."
Encosto-me na cadeira, com uma sensação de vitória. Estava difícil. O homem é lento, e podia ser melhor... mas não é mau. Trabalha à antiga, com uma prelecção sobre política, futebol, crime, sexo, aos quais se juntam os outros dois companheiros, um deles auxiliado pelo jornal para tópicos de conversa. Discutem uns com os outros e insultam-se mutuamente, enquanto me pedem que tome partido por um dos lados. "Então está por Lisboa? Essa gente não sabe o que faz, por culpa deles é que isto está assim..." Sorrio com o bairrismo tão típico daqui.
No fim, pergunto quanto é. "€2." Deixo 3, atónito.

É por isso que continuo a preferir fazer as minhas compras em Santa Catarina, 31 de Janeiro e arredores. Não quero um mundo anti-séptico, de tratamentos frios e impessoais. Além disso, de serviços sem rosto e sem responsabilidades. Não sou de extremos, e reconheço as conveniências das grandes superfícies, e muitas coisas são lá adquiridas. Mas reconheço a importância de poder dirigir-me a quem atendeu e exigir um melhor serviço, ou uma atenção pessoal.

Numa época em que magotes de pessoas recorrem ao esoterismo e à religião em busca da sua individualidade, em que dezenas dos nossos conhecidos se sentem perdidos e sem identidade, cada vez é mais difícil sermos distinguidos. Somos apenas um número, mais um na fila, perdidos entre milhares de outros iguais.
A eficiência tem de ser um critério de selecção de negócios, sempre. Mas não é o único critério a ser aplicado, e pode não ser o mais importante.

Para o Sr. Zé, barbeiro que faz barba, um grande bem-haja.

Adenda: Embora o departamento de higiene e segurança do trabalho nada tenha a dizer, uma perita externa para a qualidade classificou a obra como imperfeita. Sr. Zé, espero melhores resultados na próxima vez!

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Revolução

Abeirei-me duma povoação em polvorosa, gritos de Revolução ecoavam no ar. A turba convergia para a praça central, em grande frenesim. Sentia-se no ar um ambiente dionisíaco e uma expectativa crescente.
Movido pela curiosidade, juntei-me a eles e tentei indagar de que se tratava. Ninguém acalmava o suficiente para explicar, gritavam apenas que finalmente tinha chegado, a Revolução há tanto tempo esperada.
Sorriam e desfilavam pelas ruas num êxtase frenético de antecipação, em todos se sentia a excitação, o entusiasmo pulsante e a esperança. Por todo o lado, casais perdiam o pudor e entregavam-se ao prazer, demasiado em brasa para esperar. Vizinhos de anos trocavam olhares cúmplices com as esposas uns dos outros, inebriados por um perfume de liberdade.
Sigo para a praça central, onde a cidade está lentamente a concentrar-se por completo. Vêm-se carícias, corpos nus e ouvem-se risos, beijos e gemidos, lembrando-me Patrick Suskind.
Começo a perceber do que se trata...
Começam a levantar-se cabeças, a olhar em volta. Onde estão os líderes da Revolução, perguntam-se. Quem foram os revolucionários e porque deixaram a obra a meio? Cada vez mais rostos intrigados se levantavam. E agora?

Lentamente, a euforia e a adrenalina desaparecem, deixando lugar à hesitação, ao medo e à incerteza. Sentiam-se abandonados pelos revolucionários. No ar, ficaram palavras de ordem e uma ideia de um rascunho de um esboço de uma proposta de um possível novo código moral.
Quase nada, portanto. Sem guias nem dogmas que os orientassem. Sem líderes nem ditadores. Sozinhos.
A incerteza e a dúvida pairavam nos seus rostos. Não conseguiam, ou não queriam, perceber que era o momento em que detinham eles o poder sobre si próprios, em que podiam de facto moldar o seu novo mundo. Começaram a abandonar a praça, tentando em vão assimilar um pouco da liberdade e acabando por a misturar com o velho e fétido código, ainda não totalmente posto de parte.
Em comum, levavam apenas um estigma de liberdade, um cheirinho de responsabilidade. Um direito, que sentiam como obrigação, de serem felizes, embora não soubessem como. Queriam que lhes dissessem como, que lhes mostrassem, como se crianças fossem.

Fiquei a vê-los a afastarem-se. Por instantes, podiam ter acabado de vez com todos os tabus que pautavam esta estranha tribo, e espantado todos os fantasmas e esqueletos dos armários. Tinham a hipótese de começar de novo, de se reinventarem e renascerem de si próprios, mas preferiram desiludir-se com a ausência de instruções, e recolher a medo, polvilhados de dúvidas, às suas casas, a assumir a responsabilidade da reconstrução. Condenaram-se a mais um período de frustração, insegurança, medo, desrespeito e tristeza. A cidade ainda não estava preparada para se auto-erigir e renovar. O medo ganhou desta vez.

Mesmo antes de voltar costas e prosseguir viagem, fixei os olhos no centro da praça. Uns poucos tinham ficado. Decidiam ser os seus próprios mestres, os seus próprios deuses. Perceberam a extinção do antigo e queriam ter uma voz na construção do novo, preferiam o erro à inactividade. Juntei-me a eles por um pouco. Nas vozes, planos entusiastas e mirabolantes, devaneios eufóricos e sonhadores. Os tabus não viviam ali, os medos não se sobrepunham, e aquele pequeno grupo pegava nas rédeas de eles próprios. Deuses de si próprios, reunindo-se para confraternizar no Monte Olimpo, disfarçado de praça central de uma qualquer povoação...

Despedi-me com satisfação. Mais viajantes se formavam.