sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Medidas Socratianas

Para todos aqueles que estão preocupados com a diminuição das receitas no imposto do tabaco, por causa da nova lei, podem parar de se preocupar.
Além de todos fumarem exactamente o mesmo (pelo que ouço), aos choques térmicos que tenho apanhado vou andar a comprar medicamentos o ano inteiro.

Perdem os cafés e restaurantes, mas ganham as farmácias e farmacêuticas. É de mim ou os princípios da redistribuição da riqueza deveriam funcionar ao contrário?

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Adeus, Roque

Dizíamos entre nós que eras um tipo de sorte. A Morte parecia incapaz de te tocar. Tiveste a PIDE à perna várias vezes. Fosse o 25 de Abril a 26, e estarias preso. Sobreviveste a meia dúzia de acidentes incríveis. Ileso, chegaste a tirar todos os passageiros inconscientes do carro e correste atrás do culpado. Rasgos inexplicáveis de sorte faziam-te escapar à derradeira armadilha, por muito traiçoeira que fosse. Árvores que caiam onde tinhas estado um segundo antes. PIDEs que eram chamados de volta mesmo quando estavam para te apanhar. Por um engano numa carruagem, e algum sono, enterraste um amigo, que ocupou o lugar que era sempre teu, quando não apareceste.

Sei agora o que não vi antes. Tantas armadilhas só poderiam querer dizer que Ela estava determinada atrás de ti. Para nós, que te chamávamos de imortal, deixou a ironia da persistência. Numa última armadilha, apanhou-te. Porque te queria tanto, não saberei dizer.

Foste dinâmico e activo na tua vida, embora discordássemos frequentemente. Deixaste amigos do peito pelo país e estrangeiro, e especialmente na tua cidade, tua de tantas formas e feitios. A cidade do conhecimento deve-te muito. És responsável pelo bem estar de dezenas de crianças e pelos sorrisos de centenas, entre as quais me incluo. Um anfitrião simpatiquíssimo, que sempre tive o prazer de apresentar e dar a conhecer a todos os meus amigos.

Que os estudantes se enlutem, os mercados se fechem e que a cidade gema um fado tão seu... e tão teu...

Adeus, Roque!

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Cumplicidade

"Como corre a vida de um Viajante?" perguntaste, quebrando o ritmo dos nossos risos habituais. Os teus olhos lampejaram de curiosidade e satisfação, na cumplicidade íntima que nos é tão característica, desde sempre.

Sorri-te. Há muito tempo que não falávamos, desde que eu decidi palmilhar o mundo, e tu decidiste dar-me alta da tua lista de cuidados intensivos. Sempre soubemos quando estar juntos. Nunca um de nós falhou um momento importante do outro, mesmo aqueles que não têm importância nenhuma. Sucedem-se meses até que um qualquer acaso nos junte... e é como se tivesse sido ontem.

Tínhamos acabado de nos sentar. Tu preferes caminhar enquanto falamos, deixando que o movimento ritmado do corpo dite a cadência das palavras. Eu sei sempre tanto pelo teu caminhar como pelo que dizes. Porém, sabes que eu prefiro reflectir enquanto caminho. Também o meu passo me trai, pois sabes sempre o que me perguntar depois. Pequenas provocações só possíveis entre nós.

Sei tudo de ti, e tu conheces-me como ninguém. Na nossa intimidade de anos, nunca tentámos fazer do outro alguém melhor e exactamente por isso continuámos assim. Apesar de tão diferentes na vida, de caminhos tão separados que só se cruzam devido à vontade, mantivemos a filosofia comum de criticar sem julgar.

Sabemos sempre quando nos despedir, saciados e felizes, quando terminamos de nos reaproximar. Partilhamos tudo, trocamos abraços e retomamos o nosso caminho. Como dizes, "de alma cheia e coração saudoso, até que nos cruzemos de novo, por aí."


Não há silêncios entre nós, mesmo quando estamos calados.


E é raro haver amigos como nós... tão cúmplices, há tanto tempo.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Sorrisos

Dizem que os olhos são o espelho da alma, e são-no de facto. Mas demoram a ler, porque exigem que a contraparte abandone a atitude perscrutadora inicial. Mas um sorriso é quase sempre revelador. Pode ser sincero, falsificado, irónico, triste, amarelo, melancólico, provocador, arrogante... nenhum é igual ao outro.

Discordâncias

Foi-me enviada por email a seguinte previsão astrológica: "A Lua em Sextil a úrano pode trazer surpresas e impulsividade à sua vida emocional. Neste momento poderá encontrar alguém que desafie a sua perspectiva."

Merda! Estava a pensar discutir a questão "viatura de serviço" na empresa...

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Interpretações

Inconscientemente, tendemos a assumir a comunicação como directa, lógica e consequente. Como se as mensagens que enviamos e recebemos fossem transportes perfeitos das ideias que lhes deram forma. Sabemos que não é assim, mas acabamos por cair no erro de, ao interpretar uma mensagem, abordá-la do nosso ponto de partida, identificando as nossas opiniões e valores. Ou cair no erro que os nossos destinatários entendam exactamente o que queríamos expressar.

O poema do post anterior é disso exemplo. Há quem o pense como uma sátira. Há quem o interprete como uma verdade. Há quem o entenda como um desabafo da alma, um grito de frustração!

Há quem o sinta como ilustrativo de como o amor se sobrepõe a tudo, de como não é influenciado por nada. Não importam os defeitos, os vícios, as dores, porque não são elas que dominam um coração. Apesar dos caminhos tortuosos, das injustiças e dos sofrimentos, o amor não se prende com nada disso, e existe para além dele, num outro plano.

Quando vivemos tempos em que o romantismo nos é apresentado como filmes lamechas em que acaba tudo bem, ou contos de fadas que já estavam desactualizados nos tempos dos nossos pais, já quase não se houve falar das grandes entregas amorosas. As relações são encaradas como a escolha de um automóvel, ao mínimo problema, compra-se um novo, a não ser que não estejamos em condições de ir ao mercado. Nesse caso, aguentam mais um pouco, porque mais vale ter alguma coisa que nada.

Prefiro as pessoas que assumem que não têm veículo, e que apenas dão umas voltas quando lhes apetece. Com honestidade e naturalidade, assumem a sua independência em não estar amarrados a um carro em particular. São francos e sinceros na sua abordagem das relações humanas e sexuais, muito embora essa postura seja muitas vezes, em si própria, mais um mecanismo de defesa preventiva que uma verdadeira concepção.

Por outro lado, cada vez é mais difícil para homens e mulheres manterem esse tipo de relações semi-independentes. O risco de confusão quanto às expectativas e envolvimento da contraparte é grande, originando desentendimentos e o fim das mesmas, em muitas situações. A dada altura, também nesse tipo de relação é difícil manter a sintonia. Talvez, por não existir tanta cumplicidade, a empatia seja ainda mais difícil de manter... Mas a coisa também se queria leve, portanto finge-se que não há problemas quando termina.

Tal como um automóvel, adopta-se a atitude consumista, procura-se algo novo. Há 15 anos atrás, lembro-me de arranjar a televisão a cores quando avariou (e ainda dura). Lembro-me do meu pai desmontar o motor do carro por completo (e acho que lhe sobraram peças, mas o carro não se queixou).

As grandes loucuras de amor (e não falo de gestos grandiosos para impressionar) já quase não existem.

Talvez por isso, há quem leia o poema e sorria, pensando que, com todos os defeitos que se possa ter, o Amor supera-os a todos... ou, pelo menos, tem em si essa capacidade, esse poder.

Às vezes, penso que é mesmo assim (Mulher)

Mulher,
mal que, por meu mal, és o meu bem.
Qualquer
sabe que és leal, só quando és mãe.
É louco, é sandeu, quem disser
À mulher, seja ela qual for:
"Mulher, tu és o amor!"

Não,
não és, tu és só traição de lés a lés.
Mal vês preso um coração pisa-lo aos pés.
Em cem como tu conto as cem,
Entre as falsas, pois cego eu não sou,
Mas diz-me outra vez amor vem,
Diz-me que eu vou!


"Mulher" - Tuna de Medicina do Porto

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

A Fugitiva

Na curva de um caminho, depara-se-lhe uma menina frágil e assustada. As roupas rasgadas e os cabelos em desalinho, olhos muito abertos sem ver, arranhões nos braços e pernas e respiração ofegante, era evidente que tinha atravessado o bosque a correr, em fuga de algo...

Quando atrapalhada, recorre ao mesmo método de sempre. Um que, apenas aparentemente, lhe dá consolo. Um que, aparentemente, a conforta e sustém em tempos de crise. Na verdade, um escape que a afasta de si própria, e a prende a uma roda, na qual corre incessantemente. Incapaz de lidar com a sua própria frustração, assustada com a ideia de se imaginar pequenina e frágil e aterrorizada com a ideia de não controlar o seu mundo, nem a si própria, foge.

Corre apavorada, passando veloz por tudo, saltando muros, levada por um pânico avassalador de uma vulnerabilidade que imagina pior do que é (embora nunca a admita). Foge, rápida e letal, na vã convicção de que se não vir não existe, atacando ferozmente tudo o que, na sua mente, é um obstáculo ao seu objectivo principal e imediato: a Fuga.

Seguidamente, trata de rapidamente restaurar a sua habitual projecção de si própria, apontando um holofote a qualquer coisa que desvie a atenção, tentando que a escuridão encubra medos, falhanços e desejos irrealizados. Com anos de prática, é extremamente hábil na arte (que teima em perpetuar) de se mostrar forte, divertida, destemida e independente, eliminando da sua vida todos os que se atreveram a questionar essa imagem, ameaçando expor o Inaceitável. Transfere para estes toda a sua raiva e ódio, e dá lugar ao desespero que sente, num turbilhão de emoções contraditórias. Consome todas as emergias num esforço imenso, que se torna cada vez mais automático, e que lhe permite a ilusão de controlo, de acção, de resolução.

Observa-a partir de regresso à Roda que ela própria criou. Um dia, o aglomerado de medos, problemas e frustrações ingorados será um gigante demasiado grande para ocultar, demasiado forte para lhe fugir e demasiado pesado para o suster. Como um novelo gigante, terá de ser desmontado lentamente, com o quádruplo da coragem que lhe teria custado lidar com os fantasmas todos faseadamente...

... por outro lado, ninguém melhor que ela para enfrentar um Golias, quando encurralada e a isso for forçada.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Passeios

Entrou no carro e arrancaram face a um passeio sem itinerário planeado, sem destino concreto. De imediato, sentiu-lhe o peso da expectativa, o medo da incerteza do desconhecido a aflorar-lhe nos olhos. Na postura artificialmente natural, adivinhou-lhe os receios, intuiu os desejos íntimos e sentiu as vivências marcadas.

Sabia que tinha uma decisão a tomar, ou melhor, sabia que tinha de decidir agora se prosseguia com o que já havia escolhido. Conhecia de cor os maneirismos, olhares e atitudes que poderia adoptar, jogos tantas vezes treinados e efectuados, jogos de que estava farto e não queria mais jogar, como uma criança que põe de lado de vez os Lego.

Abandonou as armas e barreiras exaustivamente empregadas em situações idênticas e deixou-se conduzir por caminhos pitorescos e vistas fabulosas, enquanto a conversa fluía naturalmente sobre pequenos nadas. Evitou propositadamente todos os temas que se havia acostumado a habilmente introduzir, entregando-se simplesmente ao prazer de desfrutar um passeio simples, absorvendo o momento.

Saltitaram de lugar em lugar, de nada em nada, enquanto ele se deixava conhecer sem máscaras e lhe dava espaço para, gradualmente, despir a sua. Deambularam por espaços belos, paisagens românticas e refeições vividas enquanto prosseguiam naturalmente e com desenvoltura a conversar, pormenores importantes apenas para eles próprios.

Finalmente, horas depois, ela despiu um dos véus que a cobria. Ele sorriu-lhe e despediu-se placidamente.

domingo, 6 de janeiro de 2008

2008!!

"Como te correu 2007?"

Quando questionado sobre o ano anterior, deixei-me rever rapidamente os acontecimentos desses dias estranhamente numerados...

Foram 365 dias dilacerantes, sem dúvida, pautados por alterações brutais, que destruiram e arrasaram muitas das convenções em que me havia deixado mergulhar, em mim e nos outros. Transições em demasia, alterações profundas e choques não solicitados, que destruiram a solidez do mundo imaginado e expuseram a realidade nua e crua de um mundo que, subitamente, se apresentava como hostil e avassalador.

Buscando respostas, saltando de conclusão em conclusão, e encontrando-as sempre insatisfatórias, fui forçado a entrar em mim próprio e reconstruir a minha própria identidade à luz de um novo mundo, ou de uma nova percepção dele próprio, e a repensar a minha própria postura nele.

Reinventando-me, escolhi um novo trajecto, um novo curso, um novo papel no grande teatro Shakespeariano. Eu seria o Viajante, fiel ao princípio de recusar a ilusão da acomodação, de arriscar sempre o caminho não trilhado, o próximo monte, ao invés do contentamento. Nesse processo, novas desilusões, novos desafios perdidos, escolhas erradas, becos sem saída. Cada um de nós tem a capacidade inesgotável de se iludir a cada instante, distorcendo a nossa percepção do real para o que desejamos ver. Deste modo, é aparentemente de forma natural que saímos de um caminho errado para enveredar por outro que aponta na mesma direcção.

2007 foi, acima de tudo, o ano em que despertei da letargia. Talvez ainda mais apropriado seja dizer que foi um ano de renascimento do choque que me havia feito despertar, o fim de um ciclo obscuro de luzes cintilantes e o início de um trilho luminoso na escuridão.

"Sabes, é-me difícil classificar 365 dias num só rótulo." "Vá lá, de uma maneira geral, como correu?"
Volto a rever tudo num segundo, enquanto uns olhos expectantes e penetrantes me fitavam, e sorrio interiormente.
"Atirou-me numa nova direcção. Fez-de mim quem sou agora, quem tu estás a conhecer."
Com um sorriso atrevido, fui mais uma vez questionado "E 2008?"


Alargo o sorriso interior aos lábios, enquanto nos arrasto até ao balcão para mais uma bebida e murmuro ao ouvido "Ele que venha!"