Dou (de novo) os primeiros passos no planeta Terra. Experimento ainda a nervosa sensação de estranheza. "O mundo não está como eu me lembrava dele", penso para comigo.
Experimento o contacto com pessoas novas. Recordo-me de mim próprio, muitas vezes a alma da alegria. Sempre me dei bem no contacto social. Quando viajo, quase sempre entabulo conversa com alguém.
"É como andar de bicicleta. Nunca se esquece." Sorrio com este pensamento e animo-me.
"Não te esqueças, há que gerir bem as expectativas. E dá-te apenas às pessoas que te quiserem receber!", exclama a vozinha da auto-protecção.
"Não te preocupes tanto. Sei o que estou a fazer."
Vamos sair, são me apresentadas pessoas novas. Rio, converso, questiono. Faço outros rir e descontrair enquanto falamos de tudo e de nada, numa sucessão sem sentido para quem não está lá. Facilmente, descontraidamente, apenas pelo prazer de conhecer pessoas novas, realidades distintas. Por sua vez, fazem-me rir a mim, partilham um pouco de si. Os nossos caminhos cruzam-se, ainda que por breves instantes.
"
Todo o homem que encontro me é superior em alguma coisa. E, nesse particular, aprendo com ele." -
Emerson.Inesperadamente, estou temporariamente sozinho, num oceano de desconhecidos. Bem, talvez apenas um pequeno lago. "
Muito bem, como estás? Lembra-te que disseste estar cicatrizado, mas não convém esforçar cicatrizes tão frescas. Seguras-te sozinho?" questiona a vozinha. "Está tudo controlado. Vai descansar", respondo sorridente.
Mesmo assim, finco os dois pés no chão e lentamente percorro o espaço com o olhar. "Não há problema, estive acompanhado por prazer, não por necessidade", concluo. Os meus olhos encontram outros na noite. Um par deles exibe uma expressão triste. Deixo o meu sorriso interior espreitar para os meus lábios. O sorriso de resposta é estranho: não é tímido, não é amarelo, não é de defesa... é solitário, como uma prece de ajuda. Não forço, continuo a deixar o meu olhar percorrer toda aquela gente que dança e (aparentemente) se diverte. Permito-me entrar um pouco em recordações, testando-me. "Sim, o tecido cicatricial ainda experimenta alguma dor, mas aguenta." Exploro um pouco mais, vou um pouco mais longe. Não tenho que fingir, não tenho que fugir. É possível misturar o prazer de estar ali com alguma nostalgia e alguma dor.
Volto a fixar os olhos tristes. Reparei que têm estado furtivamente a tentar encontrar os meus. Percebo porquê, não é habitual alguém estar tão à vontade pelo facto de estar sozinho. Transpareço auto-confiança, talvez um pouco mais do que a que sinto. Ou então transparece a serenidade de quem está à vontade com tudo o que acontecer.
Viajo até aqueles olhos. "Olá. Tudo bem?" Nada de frases pomposas ou de engates parvos. Conversamos um pouco, os olhos vão mudando um pouco de expressão. Chega uma amiga dos olhos tristes, olha para mim e pergunta, por entre o caucofonia da música, "Tudo bem?". Ela acena com a cabeça que sim. Conversamos mais um pouco. Não danço, apenas me balanço um pouco, deixando a música atingir-me, em ondas. Ela dança, um pouco. Vai-se animando.
Eis que retornam os meus novos-conhecidos. Os olhos tristes fogem da exposição como uma barata da luz, mas encontro-os mais tarde, uma única vez, olhando-me com mais ânimo. A noite prolonga-se até de madrugada, ficamos a rir, a conversar e a descontrair até altas horas. Sai uma guitarra do carro, afino-a e canto qualquer coisa. Prolongamos o convívio até ao máximo.
Retenho o que ouço, tento aprender. Respondo como habitualmente, demasiado sincero e directo. Sei que me exponho, mas também sei que é por isso que as pessoas geralmente confiam em mim tão pronta e rapidamente.
Os primeiros passos de regresso a mim mesmo. Não, não é preciso esquecer, não é preciso odiar, sentir raiva, olhar (apenas) em frente ou qualquer um destes escapes. Eles dão apenas uma ilusão de segurança, úteis apenas se não se olhar para lá do vazio que representam. A realidade tem de ser entendida em toda a sua plenitude, o mundo apresenta-se como um estranho complexo, hostil e cativador, belo e agressivo.
Cabe a cada um de nós encontrar o seu papel nesta dicotomia, sem subterfúgios nem inanidades, mas tal como ela é.