quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

A Fugitiva

Na curva de um caminho, depara-se-lhe uma menina frágil e assustada. As roupas rasgadas e os cabelos em desalinho, olhos muito abertos sem ver, arranhões nos braços e pernas e respiração ofegante, era evidente que tinha atravessado o bosque a correr, em fuga de algo...

Quando atrapalhada, recorre ao mesmo método de sempre. Um que, apenas aparentemente, lhe dá consolo. Um que, aparentemente, a conforta e sustém em tempos de crise. Na verdade, um escape que a afasta de si própria, e a prende a uma roda, na qual corre incessantemente. Incapaz de lidar com a sua própria frustração, assustada com a ideia de se imaginar pequenina e frágil e aterrorizada com a ideia de não controlar o seu mundo, nem a si própria, foge.

Corre apavorada, passando veloz por tudo, saltando muros, levada por um pânico avassalador de uma vulnerabilidade que imagina pior do que é (embora nunca a admita). Foge, rápida e letal, na vã convicção de que se não vir não existe, atacando ferozmente tudo o que, na sua mente, é um obstáculo ao seu objectivo principal e imediato: a Fuga.

Seguidamente, trata de rapidamente restaurar a sua habitual projecção de si própria, apontando um holofote a qualquer coisa que desvie a atenção, tentando que a escuridão encubra medos, falhanços e desejos irrealizados. Com anos de prática, é extremamente hábil na arte (que teima em perpetuar) de se mostrar forte, divertida, destemida e independente, eliminando da sua vida todos os que se atreveram a questionar essa imagem, ameaçando expor o Inaceitável. Transfere para estes toda a sua raiva e ódio, e dá lugar ao desespero que sente, num turbilhão de emoções contraditórias. Consome todas as emergias num esforço imenso, que se torna cada vez mais automático, e que lhe permite a ilusão de controlo, de acção, de resolução.

Observa-a partir de regresso à Roda que ela própria criou. Um dia, o aglomerado de medos, problemas e frustrações ingorados será um gigante demasiado grande para ocultar, demasiado forte para lhe fugir e demasiado pesado para o suster. Como um novelo gigante, terá de ser desmontado lentamente, com o quádruplo da coragem que lhe teria custado lidar com os fantasmas todos faseadamente...

... por outro lado, ninguém melhor que ela para enfrentar um Golias, quando encurralada e a isso for forçada.

39 comentários:

Unknown disse...

"...com o quádruplo da coragem que lhe teria custado lidar com os fantasmas todos faseadamente..."

Durante todo o tempo em que não luta, pode ir ganhando força para combater todos ao mesmo tempo; fica, por isso, mais forte e com mais garra! :)

Bj

tavguinu disse...

fuodasssssssssssse

era a Maddie !

V. disse...

Conheço algué parecido com esta rapariga.

Bj

(Respondendo aqui - desculpa - sim, podes ;))

Hélder disse...

blackstar,

Ganhar coragem, não me parece. Mas há sempre a possibilidade de levar tudo à frente, quando encurralada. ;)

Bj

Hélder disse...

tavguinu,

LOOOOL!!

Hélder disse...

Lady MIM,

Nesse caso, espero que esse alguém consiga sair da Roda, porque apesar do exercício, não leva a lado nenhum.

Bj

(LOL! Obrigado)

Anónimo disse...

Gostei muito do teu texto.
Mas como diz a Blackstar, o tempo de pausa pode ser de preparação.
Primeiro estuda-se o adversário, convive-se com ele se necessário for, traça-se estratégias de guerra. Não entramos em guerra para perder, só o fazemos, quando nos sentimos preparados para ganhar... e depois, que venham os golias! Se for preciso, leva-se tudo na frente.

Beijo.

Anónimo disse...

TODOS, em algum momento determinado, nos sentimos vulneráveis. Mas eu, ao contrário da 'personagem' da história, não fujo, adopto a técnica do caranguejo: recolho-me na concha e deixo o mar acalmar... Talvez não seja a melhor técnica, mas é a minha 'arte'... que eu teimo em perpetuar! :-)

Marta disse...

Só assim por curiosidade, este texto texto tem por acaso alguma coisa a ver comigo?

Unknown disse...

Histórias do Capuchinho Vermelho para adultos com rodas.

Anónimo disse...

reconhecer a necessidade de fuga já é um passo gigantesco, conseguir concretizá-la é, sem dúvida, a libertação.
A projecção dessa imagem forte no espelho da realidade é, muitas vezes, a única forma de conseguir sobreviver sem se anular completamente, sem perder os sonhos que ainda possuía, o problema é, como tu dizes, quando essa ilusão não consegue subsistir ao peso da mentira e cai por terra!
Confusa a minha ideia?!?
Se calhar, mas o teu texto explica de uma forma intensa o que eu quis dizer.
Bom fim de semana
Carla

S. disse...

Fugir é uma técnica maravilhosa quando bem aplicada... lol

Sousa, todos temos as nossas imperfeições; alguns de nós, fogem e não deviam; mas se assim não fosse, não terias oportunidade de escrever (e tão bem) sobre tal...

As nossas imperfeições e as nossas qualidades são o que nos diferem uns dos outros. Algumas temos mesmo que aceitar e aprender a viver com elas.

Bom fds e beijinhos!

Anónimo disse...

Se tiverem que fugir... fujam!

É um acto de instinto, logo, sincero. Todos já teremos fugido de algo, mais do que de alguém.

...mas se tiverem mesmo que o fazer, não se metam no bosque!!!
É frio, escuro, ficam sujos, não tem sinalética nem estações de serviço. Em síntese, é um sítio "desagradável" para estar sozinho!
O.K., lá pode-se fumar...

Abraço e bom fds
TV

Elvira Carvalho disse...

Gostei do texto do Capuchinho fugindo veloz pela floresta de sentimentos, em pânico de ser agarrada pelos seus próprios medos.
Bom fim de semana
Um abraço

Margaret disse...

texto fantástico ;) mas que trama psicológica!

V. disse...

Agora percebo (perceberei?) porque é que me faz lembrar tanto alguém.

Bj

Silvia Madureira disse...

Eu nunca escondi as minhas fragilidades...talvez por isso alguns alunos meus até as conheçam tão bem e queiram aproveitar-se delas para conseguirem o que querem...
Eu sou transparente naquilo que sinto naquele momento...olhando para a minha cara conseguem ver se estou nervosa, triste ou feliz.
Não consigo esconder as minhas fragilidades...embora esteja a aprender porque para dar aulas até dá um certo jeito.
Penso que é importante não escondermos o que sentimos porque um dia podemos rebentar...enchemos tipo um balão e pum...

boa escrita


Já deixaste de fumar?

Hélder disse...

marta contadora,

O que tu chamas de pausa para reflexão, talvez seja ponto de saturação. E depois, sim, venham os golias.:)

Bj

Hélder disse...

gata,

Cada um tem a sua maneira de encarar os medos, e as nossas escolhas tornam-nos tão únicos como nós próprios.
No meu caso, não gosto muito de coisas obscuras, pelo que tento por tudo a nu. Claro que, muitas vezes, encontrei monstros maiores do que eu, e dei-me mal! ;) E também teimo em perpétuá-la... faz parte de nós, e explica porque devemos ouvir os outros, mas as decisões são sempre nossas.

Hélder disse...

marta mascarada,

A única coisa que este texto tem a ver contigo é a expressão de levar tudo à frente, que de tanto a ler se pode ter "infiltrado". Mas este texto foi escrito após ler um texto do sushi.

Hélder disse...

gione,

Ou talvez seja a história louca imaginada por um louco...? ;)

Beijinhos

Hélder disse...

Carla,

Pelo contrário, clara e lúcida a imagem que deixas. É exactamente a maneira como enquadramos os nossos sonhos na realidade que nos desorienta e traz em constante ajustamento, de mil maneiras diferentes.
Cada um tem a sua própria Roda, de onde tem de se libertar para viver os sonhos. Mas na Roda também se treina...

Bom fim de semana!

Hélder disse...

Sofia,

Interpretaste o texto como um julgamento de valor, o que não é. Pretendia ser um retrato exacerbado de uma forma de estar, qu evocasse imagens fortes e intensas.

Cada forma de encarar as coisas tem os seus prós e os seus contras, e aqui, como em tudo, a variedade torna possível a aprendizagem, dá cor à vida. Mesmo que as cores possam não ser as nossas preferidas, sempre é mmelhor que cinzento!

Beijinhos e bom fim-de-semana!

Hélder disse...

trina vela,

É um acto tão sincero e autêntico, e tão imbuído de paixão, que é na maneira como é feito que muitas vezes encontramos os nossos heróis, os nossos semelhantes, os que nos completam e os que nos desiludem!

E um bosque parece ser cada vez mais o destino de um fumador, perseguido por turbas enraivecidas! Só precisamos de ter cuidado com os incêndios florestais.

Abraço!

Hélder disse...

elvira carvalho,

O Capuchinho acaba por suplantar o lobo, quando tudo parece perdido. E assim se constroem heróis e heroínas.

Abraço e bom fim de semana.

Hélder disse...

alguém+,

As nossas cabeças são tramadas, é por isso! :)

Hélder disse...

Lady MIM,

A centelha veio da comida japonesa, e da minha incapacidade em comentar algo tão abrangente. Mas qualquer semelhança deste texto com a realidade, é pura coincidência, porque se trata de alo que me surgiu depois de devanear pelo assunto! :)

Beijinhos.

Hélder disse...

silvia madureira,

Acho muito importante não escondermos o que sentimos de nós próprios, pois é o mesmo que tentar esconder a barriga em frente a um espelho... não é isso que a faz desaparecer! Mas temos de usar as ferramentas ao nosso alcance para conviver com os outros, e não há nada mais pessoal que os nossos sentimentos.

Com alunos, pode ser uma experiência interessante lidar com a honestidade dos nossos sentimentos e impedir que outros se aproveitem delas. Eu lembro-me bem do que fazia às professoras que se expunham mais!

Beijo

Silvia Madureira disse...

Penso que quando andavas na escola pelo que dizes eras o terror das professoras, o caçador de fragilidades...

Será que isso não se prolongou à vida adulta?

Esta é definitivamente uma provocação directa e sem rodeios. Porque uma boa provocação merece uma boa resposta.

Já deixaste de fumar?

Hélder disse...

silvia madureira,

Não se trata de ser um terror para as professoras ou professores (não o era), mas sim da tentativa que todos os jovens fazem de manipular os seus professores, como parte do desafio à autoridade e de controlo do ambiente em que se inserem.

Na vida adulta, aprendi que não controlamos nada, mas podemos escolher como estar face ao que a vida apresenta, como enquadrar os nossos sonhos e como encarar os nossos medos.

Para uma provocação, uma resposta sincera: 2008 só termina a 31 de Dezembro, e ha coisas que não se forçam.

Beijos.

Silvia Madureira disse...

Força de vontade...conheces esta expressão?

Anónimo disse...

Olá!

Coisas forçadas acabam por correr mal e, no caso do tabaco, a tendência é para que ele volte... em força!
Quanto a fugas e fugitivos... É uma forma escapista de anular a coragem...

Silvia Madureira disse...

Foi uma provocação é evidente!

Não sendo fumadora e não percebendo muito da questão ouço dizer que é muito difícil fazê-lo e se passa por fases muito complicadas e tem que ser feito aos poucos...

Mas...penso que com muita força de vontade e começando desde já lentamente ...quem quiser e sublinho quem quiser...consegue até 28 de Dezembro de 2008.

beijo

ruth ministro disse...

Não conseguimos fugir por muito tempo... :)

Muitíssimo bem escrito. Como sempre.

Beijo

Azul disse...

Eu , que li o texto e li os comments , vou sair de fininho...
sÓ TENHO A DIZER QUE ESTÁ MUITO BONITO E QUE...AINDA ESTOU Á ESOERA DO MEU!!!!

Hélder disse...

silvia madureira,

O que é preciso é querer, e não apenas desejar. Só depois a força de vontade se aplica.

Beijo

Hélder disse...

maria bloch,

"Uma forma escapista de anular a coragem." Gostava de ter sido eu a usar isto como punchline!

Beijinhos

Hélder disse...

nuvem,

Olha que há quem o faça uma vida inteira. O pior cego é mesmo aquele que não quer ver...

Beijos

Hélder disse...

azul,

Vais sair de fininho?! Fica, toma um café, leva um beijinho. Não fujas, FUGITIVA! :)

Beijos.