segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Passeios

Entrou no carro e arrancaram face a um passeio sem itinerário planeado, sem destino concreto. De imediato, sentiu-lhe o peso da expectativa, o medo da incerteza do desconhecido a aflorar-lhe nos olhos. Na postura artificialmente natural, adivinhou-lhe os receios, intuiu os desejos íntimos e sentiu as vivências marcadas.

Sabia que tinha uma decisão a tomar, ou melhor, sabia que tinha de decidir agora se prosseguia com o que já havia escolhido. Conhecia de cor os maneirismos, olhares e atitudes que poderia adoptar, jogos tantas vezes treinados e efectuados, jogos de que estava farto e não queria mais jogar, como uma criança que põe de lado de vez os Lego.

Abandonou as armas e barreiras exaustivamente empregadas em situações idênticas e deixou-se conduzir por caminhos pitorescos e vistas fabulosas, enquanto a conversa fluía naturalmente sobre pequenos nadas. Evitou propositadamente todos os temas que se havia acostumado a habilmente introduzir, entregando-se simplesmente ao prazer de desfrutar um passeio simples, absorvendo o momento.

Saltitaram de lugar em lugar, de nada em nada, enquanto ele se deixava conhecer sem máscaras e lhe dava espaço para, gradualmente, despir a sua. Deambularam por espaços belos, paisagens românticas e refeições vividas enquanto prosseguiam naturalmente e com desenvoltura a conversar, pormenores importantes apenas para eles próprios.

Finalmente, horas depois, ela despiu um dos véus que a cobria. Ele sorriu-lhe e despediu-se placidamente.

46 comentários:

S. disse...

É extraordinário como a simplicidade de sermos nós, sem jogos, sem defesas, sem véus, é tão pouco simplista. Nos raros momentos em que permitimos que isso aconteça, sentimo-nos renovados, leves, felizes...

Entrando em 2008 com o pé direito, hein?! ;)

Margaret disse...

qual seria esse véu levantado...

Anjo De Cor disse...

sem máscaras, capas e véus ...
é a melhor opção quase sempre ;)
Beijinhos
SS

Gi disse...

Qualquer dia ... poderá passear toda nua ... só com o véu.

Anónimo disse...

Uma verdadeira proeza! Conseguir que alguém que viveu durante um vida envolta em véus consiga deixar cair um deles (um que seja) é um feito imenso. As máscaras são muitas vezes protecções contra o(s) medo(s) e nem sempre é fácil deixá-las cair!
Carla

ruth ministro disse...

É bom poder fazer isso... :) Escrevi um texto que ainda não publiquei que é o exacto oposto... Engraçado. Uma sintonia em forma de antítese :)

Mil beijos

Lia disse...

Obrigada pelo comentário!
Pois que vida de estudante é dura! Fica-se sentado muito tempo na mesma posição a estudar e depois fica-se com dores de costas!
é a vidinha...

Sally disse...

e um livro não? ;)

Anónimo disse...

É tão difícil deixar cair um véu... conseguir que se deixe cair todos os véus é o desejável, mas nem sempre se consegue. Por vezes, ficar perto disso já é considerado perfeito, por isso, parece-me que vais no bom caminho! ;)

Elvira Carvalho disse...

Gostei. Muito. É muito difícil tirar a máscara. Algumas pessoas não a largam mesmo quando estão sózinhos.
Um abraço e uma boa semana

Jumpseat disse...

Tão lindo!

Gosto muito deste texto! :)

Cati disse...

Às vezes não é fácil viver assim - sem máscara, sem disfarce, sendo apenas e simplesmente um

EU

rodeado de

TU(S)...

A vida não nos permite esta simplicidade no dia a dia. Haja alguém perto de nós com quem o possamos fazer - e aí sentimo-nos LIVRES... ou não?

Deixa-me que te diga... está tão bem escrito... um beijo!

PS - que véu era esse não está difícil de ver... quando o homem é sincero os véus caem genuinamente... sem subterfúgios.

Anónimo disse...

Máscaras à parte, está muito bom. Ponto.

Hélder disse...

sofia,

Esse comentário foi tão bom, que deu início a uma nova rubrica aqui no canto!

Não tires conclusões precipitadas :P

Hélder disse...

alguem+,

Apenas um véu, mais importante o acto do que o conteúdo em si...

Hélder disse...

anjo de cor,

Eis que discordamos. Tudo depende do que se quer! Conforme os objectivos, pode ser a pior estratégia do mundo...

Beijinhos

Hélder disse...

gione,

Nunca se sabe, nunca se sabe... :P

Hélder disse...

Carla,

Captaste a mensagem! Esse é o aspecto importante de tudo, os pequenos momentos em que, sendo nós próprios, outros encontram espaço e vontade de o ser também.

Beijinhos.

Hélder disse...

nuvem,

:) Um conceito engraçado, o de sintonia em antítese. Gostava de ver esse texto!

Beijos,

Hélder disse...

tita,

Posso-te emprestar um, tenho muitos! ;)

Hélder disse...

blackstar,

Deixar cair todos os véus é um atributo reservado a momentos especiais, que marcam permanentemente a memória. Mas creio ser importante ressalvar os pequenos momentos em que se conseguem pequenas maravilhas, subtis, mas fortes.

Bjs

Hélder disse...

elvira carvalho,

São as piores de todas, aquelas que insistimos em usar para nós próprios. "o pior cego é aquele que não quer ver", não é verdade?

Obrigado, e uma semana.

Um abraço.

Hélder disse...

jumpseat,

Eu ou o texto? :D

Obrigado!

Hélder disse...

maria bloch,

Obrigado. Ponto. ;)

Hélder disse...

cati,

Será que nos sentimos livres? Tudo depende do medo que temos da rejeição... ;)

Um beijo!

PS - Infelizmente, a experiência diz-me que os véus caem mais facilmente quando um homem/mulher NÃO é sincero...

Anónimo disse...

"Deixar cair todos os véus é um atributo reservado a momentos especiais, que marcam permanentemente a memória."

Desculpa, mas não concordo! Deixar cair todos os véus é, na minha opinião, condição essencial para uma qualquer relação!

Hélder disse...

blacksatr,

Acho que concordamos no básico, mas vou-me tentar explicar melhor. Uma relação, de amor ou de amizade, tem de ser baseada na cumplicidade, ou seja, sem véus. Só assim a relação será autêntica, firme e verdadeira.

Mas todos, TODOS os véus, acho que só por vezes os despimos. Guardamos sempre alguns, uns mais outros menos, para nos protegermos, para não nos magoarmos.

A entrega total, completamente desprovida de véus, máscaras e outras defesas, mesmo que ligeiras, acho que só acontece de vez em quando, o que não invalida a autenticidade de uma relação.

Beijo

Anónimo disse...

Melhorou... não será a mesma opinião, mas está melhor! (Para que não haja más interpretações, esclareço que estou a brincar quando digo que melhorou, porque considero muito saudável a existência de opiniões diferentes!)

E porque está melhor, mas por isso, perdoo o facto de não escreveres correctamente o meu nick! :D

Ana disse...

Htsousa, eu avisei!!!!!

A minha vingançazita está aqui:

http://www.netdisaster.com/go.php?mode=dog&url=http://cantodocolibri.blogspot.com/

=D

Hélder disse...

BlackStar,

Também sou apologista da dialética, por isso, apresenta a tua opinião! ;)

Beijinhos.

Ana disse...

Mas espera aí. Eu interpretei assim: qd ela finalmente tira o véu, ele despede-se?...

Anónimo disse...

Que lindinho! Não era preciso exagerar! Bastava chamar-me star em vez de satr que eu já ficaria satisfeita!


A entrega total só acontece de vez em quando e essas são as verdadeiras relações! Aquelas que nos levam a ter medos, a não ser totalmente verdadeiros, a usar véus, não as considero como autênticas, ao contrário de ti!

Não posso dizer que estejamos a enganar outra pessoa, no fundo, estamos apenas a enganar-nos a nós mesmos dissimulando um ou outro aspecto que possa não ser do total agrado do outro (e que mais tarde ou mais cedo deixará de ser encoberto) ou utilizando esses mesmos véus de que falas, para não ver correctamente o outro.

De uma ou de outra forma, a relação não está a ser autêntica e nunca poderá vir a ser A relação!

Enfim... opiniões! :)

tavguinu disse...

"Saltitaram de lugar em lugar,"

Lembrie-me de um elefante a saltar de nenufar em nenufar !

"Finalmente, horas depois, ela despiu um dos véus que a cobria. Ele sorriu-lhe e despediu-se placidamente."

Atão o gajo passa horas a dar música e quando finalmente a gaja se despe o gajo vai-se embora ?

fuoadasssssssssssse tas COZIDO DA TOLA !

Hélder disse...

vanadis,

UM véu, e não O véu. Faz toda a diferença! ;)

Quanto a ir embora, tudo depende do que ele queria... e como o queria!

Hélder disse...

blackstar,

Lindinho? E fofo também, não? ;)

Tudo depende do significado que dás à palavra véu. Estou aqui a englobar as coisas pequenas, como por exemplo quando te fazes de forte por alguém, para tranquilizar ou não perturbar essa pessoa. Nesse caso, estás a colocar um véu sobre uma fraqueza tua. Como este, há outros exemplos de pequenas coisas, que teimam em acontecer diariamente.

Mas há momentos mágicos, e a relação deve ser uma prossecução desses momentos, e do despir dos véus (em todos os sentidos, lol)

Beijos.

Hélder disse...

tavguinu,

As imagens fofas que tu tens na cabeça!!! ;)

Não estavas atento ao início do texto, o tipo tomou a opção de não dar música.

Abraço!

Ana disse...

O, ou um, whatever... =) Páh, se eu tirasse um véu e o gajo se fosse embora a seguir, eu pensava que não tinha gostado do que viu. E partia para outra...percebes o que quero dizer?

Se uma mulher é insegura por natureza e tem problemas em se mostrar como é, quando finalmente se deixa descobrir em algo, e o gajo a seguir se vai embora. Páh, ela nunca mais tira nada pra ninguem.

Hélder disse...

Vanadis,

Hum... percebo que o texto possa dar azo a uma interpretação de fuga, mas não era essa a ideia subjacente. A despedida vem como um desfecho ameno para um passeio ameno, sem nada forçado, e sem forçar mais.

Anjo De Cor disse...

hum... mas estamos a enganar quem com essa máscara:
Ele?
Ela?
Todos?
Eu?
... será que compensa, ser ou vestir uma capa para atingir um objectivo e depois não poder despir-se para o usufruir...
Acho que não.
;) SS

Daniela Sousa Photography disse...

A pureza de um rosto sem máscara é algo inatíngivel... todos a temos e todos a usamos de diferentes formas e feitios...

Anyone disse...

É bom despir os véus e baixar as armas... cansa menos... Beijinhos

Hélder disse...

anjo de cor,

Foi por isso disse que dependia dos objectivos.
Imagina que o teu objectivo é simplesmente sexo, do bom e do melhor. A melhor maneira de o obter é ser aquilo que a outra pessoa quer, uma verdade empiricamente constatada.

Neste texto, ele fez uma opção com base naquilo que queria, abdicando de um caminho. Mas já alguém dizia que há duas maneiras de se ser feliz, "Ter mais ou querer menos". ;)

Beijinhos.

Hélder disse...

daniela,

Não gosto de usar a palavra nunca e sempre (embora o faça demasiadas vezes).;)

Há momentos em que todos véus desaparecem, fugazes e mágicos... e inteporais ao mesmo tempo!

Hélder disse...

anyone,

Concordo, tudo o que é preciso é perder os medos...

Beijinhos

Azul disse...

Os muros e máscaras que erguemos e vamos construíndo á nossa volta...e que não nos deixam ver para além deles.
Mas é tão díficil pô-los de lado.
Uma vez erguidos , é quase impossível derrubá-los.
Já há muito que deixei alguns de parte, que me desfiz deles.
Derrubo uns , ergo outros...
Não se pode viver sem defesas?..Sem véus?...
Seria tão bom.
Mas é melhor não.

Hélder disse...

Azul,

É esse o problema de erguermos muros, são de muito difícil desconstrução. Não é possível viver sem nos protegermos, mas prefiro os véus. ;)

Beijos