O trabalho tinha sido intenso, o evento correu bem, e voltávamos de umas horinhas de convívio e dança. Eu apressei-me para o meu hotel, para render ao máximo o tempo de que dispunha e dormir, como diz o meu pai desde que eu era pequeno, “com muita força”. Ainda só tinha despido uma manga do casaco, apenas para o voltar a vestir e sair do quarto bruscamente. Sem qualquer razão, desci e fui ao hotel em frente. Passei o átrio, desci as escadas, virei à esquerda, entrei numa sala, olhei para a esquerda… De olhar perdido num qualquer ponto, sentavas-te num sofá, com os joelhos encolhidos, os pés sobre o assento. De anoraque vestido, mangas a cobrir as mãos, como se quisesses reduzir ao mínimo a superfície de contacto com o mundo. Reparaste imediatamente em mim, os teus lábios abriram-se num sorriso sincero, os teus olhos brilharam por um segundo. E eu mergulhei dentro deles e recordei a primeira vez que te vi sorrir.
Por um único instante, que durou uma vida, os teus olhos renderam-se. Quebraste o contacto e retomaste a tua postura de normalidade. Indeciso, hesitei, sem saber como proceder. Acendo um cigarro, que detestas, e tomei as tuas mãos nas minhas. “Porque estás aqui?” ouvi-me perguntar. A voz saiu meiga, mas firme, exactamente como me sentia. “Não me apeteceu subir”, respondeste, “E tu, porque estás aqui?”
“Não sei…”
Respirei fundo e puxei-te para um abraço “dos meus”. Deitaste a cabeça no meu peito e olhaste-me, e eu voltei a perder-me neles e percebi as dúvidas, a tristeza, a frustração e o cansaço. Contaste-me tudo, tudo o que nunca tinhas contado a ninguém. Afundaste o rosto na minha camisola e abraçaste-me com força. Levantaste os olhos e percorreste o meu rosto com as mãos, exploraste os olhos, o nariz, a boca, desceste pelo pescoço… Olhaste para mim e disseste que precisavas de um amigo. Lembrei-me dos teus olhares tristes e contemplativos, do teu passo lento e compassado, do teu sorriso e respondi-te que era por isso que estava ali.
O que foi dito, pediste para nunca mais ser repetido. Espero que fiques bem...
5 comentários:
Um momento único...daqueles que ficam para sempre dentro de nós. Eu penso que os momentos mais bonitos entre o homem e a mulher acontecem quando estão os dois completamente desarmados, completamente fragilizados e ...é nesses momentos que poderá ser única a sensação de sentir o ombro um do outro e sentir que estamos protegidos um com o outro.
Sem mais para dizer...a não ser que
uma mulher é muito feliz quando sente que é amada e o homem tem a capacidade de o demonstrar das formas mais subtis e naturais que possam existir.
beijo
Silvia Madureira,
Também penso que os momentos mais bonitos vêm da "vitória na derrota", da empatia, da partilha com amigos e amigas.
Quanto ao resto, lê a continuação e depois diz-me.
Beijo.
Sim senhor, temos escritor...
Vou voltar mais vezes... ;))
Pressente-se algo no modo como compões os sentires que me fazem crer que estou na esfera real em lugar de me encontrar apenas a ler uma história sublimemente contada. Seja como for,apreciei imenso esta prosa. E sobretudo, medita-se na fragilidade interior do ser humano e do quanto um abraço pode fazer a diferença e fazer calar as palavras.
*
m.,
Bem vinda ao meu cantinho.
Digamos que é um relato da esfera real, tal como foi percepcionado por mim, ou seja, é a minha percepção da realidade. :)
Para mim, um abraço pode ser uma das coisas mais íntimas se, à aproximação física, estiver associado uma aproximação emocional... empatia. Nessas alturas, as palavras só causam ruído.
Obrigado pelo comentário. Beijinhos.
Enviar um comentário