terça-feira, 20 de novembro de 2007

Terceiros Passos

As armadilhas sucedem-se no percurso, enquanto continuo a deambular pela vida. Curiosamente, não passam mais do mesmo, as mesmas armadilhas de sempre, transpostas para situações sempre novas, sempre diferentes.

De rumo escolhido, e confiança renovada, trilhei rapidamente caminhos na direcção pretendida, com a forte aspiração da conquista e da descoberta de algo novo. Sabia que não ia ser fácil, que o rumo pretendido era exigente e duro. E desconfortável. Como esperado, os primeiros dias foram feitos sem problemas de maior, numa redescoberta da mesma vida de sempre, por outros olhos. Os problemas ao longe eram duros, sabia, mas havia de os superar ou de aprender com eles. "Em frente, em frente, percorrer o caminho."

Chego a um desfiladeiro, tão igual e diferente a todos os outros. O meu caminho passa por aqui, faz parte do percurso que escolhi. Tem de passar, aliás, não há atalhos na vida, a vida é o caminho percorrido. "O caminho é mais importante que o destino", alento-me. Sinto-me sereno, confiante, invencível. Lanço-me ao caminho. Na minha mente, estão os abismos a evitar. O medo, o orgulho, a raiva, a solidão... Penetro por entre os tortuosos trilhos, percorro o desfiladeiro frio e escuro da tortura, para emergir do outro lado, incólume.

Avisto uma pequena povoação, onde decido repousar de tão esgotante marcha. Aqui as pessoas são simpáticas, calorosas, amigas e divertidas. A cidade é rica em carinho, prolífera em ideias e ideais, fundada na Liberdade e no Respeito. Banho-me nos sorrisos e nas palavras de conforto e de prémio. Bebo profundamente do cálice da aprovação e da camaradagem, inebriado pela doce ilusão de partilha e de sinceridade, intoxicado por perfumes exóticos e familiares, seduzido por orgias coloridas e excitantes. Demasiado perdido em mim mesmo, e nos triunfos recentes, não reconheço que este sítio faz parte do desafio e afundo-me na minha nova imagem de mim próprio.

Apenas algo dentro de mim subsiste. Algo que questiona sempre, que não para de me interrogar, de me provocar, que tudo é uma ilusão, que não é por acaso que esta povoação se situa tão perto da saída do desfiladeiro. "Alimenta-se de quem de lá sai", diz-me. Encolho os ombros, como se a expulsar um peso de cima deles, gesto infrutífero. Decido carregá-lo enquanto me perco cada vez mais na falsa segurança de um meio ambiente fácil e controlado.

Subitamente, um outro viajante passa por mim, reconhece-me como tal. Mais experimentado, e não sendo a primeira vez que aqui se encontra, conhece perfeitamente a armadilha onde me encontro, a sua subtileza, as suas teias de seda e masmorras de ouro. Infelizmente, nunca fui uma pessoa subtil... Com uma pequena palavra, revela-me a sinceridade, o carinho verdadeiro, a simplicidade do companheirismo e a pureza da amizade. Desperta em mim a cumplicidade e, consequentemente, rasga todas os véus que me cobriam a alma. Docemente, pacientemente, aguarda que desperte do transe e que me aperceba do logro. E sorri...

Lentamente, talvez demasiado, reparo que a cidade é uma ilusão, repleta de ardis subtis, falsas simpatias e sorrisos traiçoeiros. É a cidade da Soberba, que nos seduz veladamente, ocultando-se na profusão de cores, sabores e diversidade de experiências agradáveis.

"Foi por pouco", penso, à medida que vou tomando consciência.

A viagem não pode ser feita a solo, e ninguém é invencível. Quem o acreditar, fica preso na Cidade da Soberba. É uma cidade lindíssima. É uma prisão dourada...


Contemplo o rosto do viajante e sorrio de volta. Vejo a beleza pura, não da perfeição, mas quem possui a mesma vontade de ir mais longe, dentro de si, a mesma irrequietude pacífica de busca de si próprio e da sua própria complexidade. Reconheço mais um Viajante da Plenitude, belo, em todo o seu esplendor


"Estarei para sempre grato pelo que fizeste."

"Eu sei", diz ela com naturalidade. "Mas não precisas."

19 comentários:

S. disse...

Abri o teu blogue e pensei: Deus queira que não tenha escrito um texto muito longo... estou com pouca paciência. Comecei a ler, e embora seja grande, depressa cheguei ao fim e recomecei... e outra vez, e mais outra!
Golden Cage... a visão perfeita da nossa sociedade! Mas eu tenho que te perguntar, Como, COMO é que tu te lembras destas coisas?! e onde é que aprendeste a escrever soberbamente sem soberba alguma?!
Mais meia dúzia de textos assim e o livro está nas ruas... mas pronto, não quero alimentar a tua soberba... mas faz o caminho!!!

Sempre que leio um elogio teu no meu blogue, coro de vergonha. Sei que me alentas por companheirismo e talvez, vontade que eu evolua na escrita. Dedico-me à escrita há muito pouco tempo. E é natural que acabe por evoluir um pouco, mas nunca chegarei a teus pés...

Sousa, ÉS GRANDE!!!

Beijinhos

Azul disse...

Ht,

FANTÁSTICO.

Finalmente, percebeste: és um DRUIDA e vais ter muitos enganos pelo caminho!A ajuda chegará sempre na altura certa, no momento exacto.
Quanto aos demónios, há tantos por aí, disfarçados de luz e cor.
Cuidado.

Lipa disse...

Tens, realmente, o dom da palavra!!
Agradeço a tua visita e comentário (muito acertado e que me deixou a pensar)no blog, espero que voltes...

Eu voltarei ao teu...

Anónimo disse...

Deixaste-me a pensar se afinal era melhor o caminho ou a cidade. O caminho sempre se apresentou dificil e só com muito esforço se consegue atravessar... A cidade, o objectivo, pareceu perfeito, mas depois revelou-se... Será então que devemos aproveitar o caminho, por mais duro que ele seja, e não termos pressa de chegar ao final?

Eme disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
tavguinu disse...

"A viagem não pode ser feita a solo, e ninguém é invencível. Quem o acreditar, fica preso na Cidade da Soberba. É uma cidade lindíssima. É uma prisão dourada..."

bolas pá !

deves querer casar e sair da prisão dourada...

LOOOOL

Marta disse...

Cada encontro com cada viajante, traz sempre uma mensagem para nós! Abre o coração e escuta a mensagem que é para ti!

beijo

S. disse...

Despontar... part IV, já disponível num blogue perto de si... lol

Elvira Carvalho disse...

Tantas vezes me cruzei consigo nestes últimos tempos na "casa" de amigos comuns. Hoje tive a honra de vê-lo no meu humilde cantinho, e eis-me aqui para conhecê-lo. Confesso que comecei por ir ver o perfil, e coincidência, o meu filhote tem exactamente 27 anos. É macaco e só dias não é gemeos pois nasceu em Junho.
Depois li o último post, sobre os viajantes e a cidade da Soberba. Maravilhoso. Todos nós somos viajantes durante toda a nossa vida. Ao longo dela sempre surgem muitas armadilhas e claro como todas sempre bem camufladas. Normal que o velho viajante as saiba descobrir. Nunca ouviu dizer que mais sabe o diabo por ser velho que por ser diabo?
Adorei este texto e fiquei com vontade de conhecer mais coisas suas, de modo que vou voltar outro dia com mais calma.
Um abraço

Hélder disse...

sofia,

Sou altito, é verdade. ;)

Ainda bem que conseguiste ler até ao fim... Eu escrevo sobre as coisas como as sinto e percepciono. Quanto à maneira de escrever, é a única forma que tenho de descrever abstrações de emoções sentidas.

Não deves corar de vergonha, dás a entender que falhaste em algo, o que não é verdade. Tens uma história na tua mente que quer sair, e eu estou a gostar de a ler.

Continuo a dizer que há muita ilusão quanto à minha escrita. Não é nada de especial.

Beijinhos

Hélder disse...

Azul,

Um druida? Não. Apenas um pobre viajante, com mais sorte que juízo.

Beijos.

Hélder disse...

Lipa,

Obrigado pela visita. Se te deixei a pensar não ligues, faço isso muitas vezes, provavelmente não é nada.

Beijinhos.

Hélder disse...

bia,

Também eu tive de ver isso. O final não interessa para nada, é apenas um momento entre muitos na nossa vida. Fazer do caminho NOSSO, isso é o importante.

beijinhos.

Hélder disse...

m.,

Sim, tu conheces bem esta Cidade, embora me pareça que nunca te deixaste seduzir por ela. Mas tens razão, nesta cidade de sedução ostentativa, as verdadeiras jóias escondem-se entre os brilhos falsos de vidros coloridos. Contudo, em momentos raros, instantes mágicos, dão-se a conhecer, permitem-se brilhar um pouco. E nesse brilho demonstram a diferença entre uma gema e vidro colorido.

É que o brilho de uma pedra preciosa , vem de dentro, e não pode ser apagado.

Beijo.

Hélder disse...

Tavguinu,

Apenas quero não entrar em prisões douradas. Não é preciso casar para isso. ;)

Abraço.

Hélder disse...

marta,

Fá-lo-ei de certeza. Não te esqueças de fazer o mesmo.

Beijo.

Hélder disse...

Elvira,

Já sou visita no blog há uns tempos, apenas não tinha escrito ainda.

Sim, já ouvi isso. Mas quantas vezes não nos apercebemos daquilo que já sabemos?

Obrigado pela visita.

Beijinhos

SA disse...

ohhhhhhhh BEN(...) não é assim tão mau.lol. Essa vila que encontro todas as manhãs, depois de assistir a um estupendo nascer do sol na ponte :)
bj
sa

Hélder disse...

sa,

Não é assim tão mau, só é preciso ter alguma atenção. Eu também passo nessa ponte!

Beijinhos.