sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Regresso a Casa

Estive fora, perdido em mim mesmo. Viajei muito, visitei locais exóticos, conheci novas realidades.

Ferido, quase mortalmente, empurrado para o desconhecido, arrastei-me para longe de mim mesmo, deixando um rasto ensanguentado. Percorri milhões de kms, por terras escuras, agrestes e cruéis. Desprevenido, tonto e fraco, visitei o planeta das emoções.

Num vale sem luz, ladeado por rochas enormes e agrestes, onde até o nosso maior grito soa a murmúrio, descobri e bebi da água gélida do mais puro Desespero.
Caminhei anos sem fim por ruas estreitas, vendo a felicidade do lado de lá do muro, soluçando noites inteiras, e conheci a amargura da Solidão.
Drogado de Raiva, percorri campos vermelhos de sangue, lutei em milhares de batalhas. Torturei, mutilei, matei e cometi as maiores atrocidades, num ódio crescente.

Vivi milhares de vidas. Experimentei a futilidade, o ódio, o sexo, a tristeza, a solidão, o egoísmo, a sordidez, o materialismo, a pobreza, o altruísmo, a força, a doença e muito mais. Dentro de mim, encontrei o mundo. Tudo o que nele existe, está replicado dentro de mim, nas suas formas puras. Podia ser qualquer pessoa. Libertei-me das correntes e dos grilhões que me encerravam em mim próprio e fui realmente Livre.

Cheguei ao fim do (meu) mundo, e contemplei o abismo final. Saí fora de mim próprio e examinei-me minuciosamente, mas como um todo. Olhei tudo o que fiz e tudo o que fui, e tive um pequeno vislumbre de quem quero ser. Uma ideia mais aproximada. Cheguei mais perto do meu verdadeiro "eu".

Regresso agora a mim próprio. Trago nas costas uma enorme cicatriz, mesmo por trás do coração. Venho sereno, forte e sorridente. Contente por voltar a casa. Mais experiente e maduro. A inocência deu lugar à consciência.

A minha única bagagem são as vidas que vivi. O ódio, o rancor e a raiva são nos devolvidos em dobro... por nós próprios. Somos nós as nossas principais vítimas. Não quero isso para mim. Vivo cada dia e gozo cada dia com autenticidade, vivacidade e alegria.

Chego a casa e preparo-me para voltar a viver. Não olho para trás uma única vez.

Não será a última viagem a mim próprio.


Aos poucos que me forçaram alguns oásis durante esta viagem, que me mostraram a sua amizade e que compreenderam que o meu caminho teria que ser este, obrigado.

12 comentários:

Anónimo disse...

Caminho....Rumo a casa mas percorro
o caminho mais longo embora o menos
agreste...
Um dia chegarei a casa!Felizmente, ainda existem pessoas que sugerem a direcção certa. A questão é: será que a quero seguir?
Obrigada por seres exactamente como és Colibri!

Marta disse...

Gostei muito deste texto! Escrito com alma e emoção! Pois eu acho que tudo faz parte! O amor, o ódio, a guerra, a paz, a raiva, a angustia, o medo, a felicidade, as lágrimas, os sorrisos e para nos conhecermos temos que ir lá, viver cada uma dessas emoções, pois sem vivermos umas, não poderemos entender as outras e não conseguimos encontrar o nosso equilibrio!
No fundo tudo o que fazemos na nossa vida é um reflexo do nosso interior!
Porém, arrisco-me a dizer-te que a grande viagem ao teu interior ainda está para vir! Fa-la-ás até aos 30 anos, altura da grande mudança e da passagem para a maturidade!

beijinho

Hélder disse...

Anónimo,

Se, bem dentro de ti, e depois de teres feito a tua viagem, decidires que não queres seguir o caminho que te apontam, então essa não é a direcção certa.
O que importa é o que tu escolhes para ti, desde que o escolhas em consciência. Entretanto, corres o risco de te auto-iludires.
Mas a opção da auto-ilusão também é tua. No fim, todos fazemos aquilo que preferimos, aquilo que queremos.

Boa viagem, mesmo que seja mais longa (talvez até seja mais sensato - quem sabe?)

Shadows in Love disse...

Deveremos sempre que possivel fazer uma introspecção em nós próprios de preferencia para que não seja uma viagem tão agreste e sofrida como esta tua... mas infelizmente muitas vezes para se sorrir primeiro temos que verter muitas lágrimas de sangue... o que interessa é que chegamos ao fim dessa viagem com uma satisfação de dever cumprido e possamos sorrir de felecidade...depois o importante também é saber que temos ao nosso lado quem realmente nos quer bem...

Shadows in Love disse...

Deveremos sempre que possivel fazer uma introspecção em nós próprios de preferencia para que não seja uma viagem tão agreste e sofrida como esta tua... mas infelizmente muitas vezes para se sorrir primeiro temos que verter muitas lágrimas de sangue... o que interessa é que chegamos ao fim dessa viagem com uma satisfação de dever cumprido e possamos sorrir de felecidade...depois o importante também é saber que temos ao nosso lado quem realmente nos quer bem...

Pluma(PrincesaVirtual) disse...

Uma viagem alucinante...o abismo deve ser algo unico...
Gostei desta viagem. E apesar de ser novata por aqui, seja bem vindo (de novo) ao planeta Terra ;)

Cumprimentos da Princesa

Anónimo disse...

Todo o ser o humano deveria fazer uma destas viagens, para reencontrar o Amor proprio!Eu propria ja a fiz e sinto-me feliz por me ter reencontrado:)
Axo o teu blog de uma humanidade incrivel!

Beijoca
Intimo Misterio
www.intimomisterio.blogs.sapo.pt

V.C. disse...

E é assim o voo do Colibri. Quando volta descobre que, mesmo possuindo a mesma alma, cresceu. Deixou cair as asas ao longo do corpo, suspirou, olhou em seu redor e disse - ainda sou eu.

Abraços!

Hélder disse...

Marta,

Benvinda ao meu canto.

Talvez assim seja. Esperemos então que eu a abrace e me deixe viajar outra vez.

Beijinhos,

Hélder disse...

V. Caldeira,

Benvida ao Canto.

É isso mesmo. No fim da viagem, sacodes as penas sujas e magoadas, a poeira e tudo o resto, e vês que continuas a ser tu próprio... e que cada um de nós não tem que ser mais nada!

Obrigado e um beijo.

Eme disse...

Pesado.. no sentido de tocar por dentro.Palavras expelidas quase como um grito e culminando com a alma mais serena.
Beijo

Hélder disse...

m.,

Quando o escrevi, revivi tudo de novo. Foi um dos textos mais genuínos, mais directos da alma que escrevi.

Beijo.