sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Fuga à Autocomiseração

Enregelado, exausto e faminto, forço-me a levantar a cabeça e abrir os olhos apesar do vento cortante. Olho em volta, tentando descobrir um caminho por onde sair deste vale imenso, sem saber sequer se terei forças para o percorrer.

Repentinamente, tomo consciência de onde estou!

Como não reconheci o lugar?! Já cá estive antes! Este vale escuro e gélido, onde a vontade falta, as forças falham e o alento fraqueja, e onde o vento nevado esconde tudo o que nos rodeia, alberga a fonte do Desespero. Enfurecido comigo próprio, relembro a viagem anterior a este lugar. Vinha ferido, moribundo, um despojo de mim próprio. Penso nos longos dias que aqui permaneci, bebendo cada vez mais a água glaciar da fonte, saciando-me a minha sede de auto-comiseração.

"Sim.", ouço-me pensar. Essa é a palavra chave, essa é a porta de entrada para aqui. Auto-comiseração. Talvez o pior dos vícios humanos, sem dúvida um dos mais inúteis. Enfurecido comigo próprio, sinto o sangue a latejar-me nas veias, enquanto o calor do ímpeto me dá forças. Relembro a vil armadilha a que nos entregamos, em que nos enclausuramos pela nossa vontade.

"NÃO!", exclamo, enquanto corro a plenos pulmões para a saída. Rejeito ficar aqui, rejeito permanecer no frio antecipado. Corro desenfreado para o Sol dos momentos felizes, para o Calor das coisas simples, para os momentos de felicidade que possam aparecer. Mergulho de chofre na realidade, e esfrego-me vigorosamente, lavando os resquícios da pena por mim próprio.

Sereno-me, deitado na praia, enquanto retomo o fôlego. Rio-me de mim próprio. "Saís-te de lá, mais uma vez. Vê se não te deixas cair outra vez."

Contemplo o pôr do sol, enquanto descanso...

19 comentários:

tavguinu disse...

se tivesses levado um cão guia não te tinhas perdido !

loooooool

S. disse...

Auto-comiseração: sabe bem durante 5 minutos. Mais é um exagero! Limpar as lágrimas, levantar a cabeça e pormo-nos a caminho de novos trambolhões são exigências da vida. Para que de novo possamos ter um pouco de pena de nós próprios, lamber as nossas feridas (que também é importante e faz falta) e de novo caminharmos!
Espero que o fim de semana tenha sido bom; pelo menos melhor que o meu que tenho estado doente e numa profunda auto-comiseração... :(

Eme disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Silvia Madureira disse...

Às vezes ficamos parados porque esquecemos o quanto pequenos prazeres da vida são importantes;

um sorriso
ouvir o som do mar
ouvir os passarinhos cantar
ver o pôr do sol
ver as estrelas
um simples olá
um toque no ombro
um olhar de uma criança

Não é um poema...ou melhor ...é o poema das nossas vidas...o que descrevi é o sal que falta nos oceanos...são estas pequenas coisas que nos dão forças a encarar as feridas como pequenos golpes que podem ser curados com os remédios que mencionei.

um abraço

Marta disse...

às vezes é preciso lá voltar| Voltar lá quantas vezes forem necessárias até termos a certeza que estamos curados!

Azula disse...

Lindo, como sempre.

Mas preciso que me faças sorrir para a próxima que aqui vier!

Bjufas

Bruno Fehr disse...

Há quem opte por lá viver...

Hélder disse...

Tavguinu,

Lol. Infelizmente, não sei onde se vendem cães-guia destes!

Hélder disse...

Sofia,

A auto-comiseração pode ser bem mais subtil que isso, de tal maneira que não a vês, apenas as suas consequências. E como as consequências são fortes e fazem-se ver muito bem, as causas permanecem ocultas.

Vê se te pões boa (sem segundas intenções :D) e vê lá se a culpa de estares doente não é tua. Noites ao relento, talvez?!

Hélder disse...

m.,

Alguma vez teria de acontecer... talvez estejas a ver com os olhos errados.

Estava, não estava?

Beijo.

Hélder disse...

silvia madureira,

Concordo contigo, as pequenas banalidades são muitas vezes negligenciadas. Quando encaradas correctamente, são fonte de prazer e alegria.

Mas não é aí que se encontra a chave para lidar com as desilusões ou frustrações. São muito importantes, mas usadas assim, são muletas de apoio. Sem elas, voltas a cair no poço. E elas podem não existir...

Beijo.

Hélder disse...

marta,

Sim, sem dúvida. Há pessoas que demoram a aprender as lições que a vida lhes dá, não é?

Beijinhos.

Hélder disse...

Vera,

Se precisas, fica prometido.

Beijinhos.

Hélder disse...

Crest,

Nem mais...

Abraço.

Anónimo disse...

Amigo,

Como não poderia deixar de ser, havia de sentir o ímpeto de comentar um dos teus textos. Sabes que irei fazê-lo com uma qualquer "patetice", mas não me perdoarias se fosse de outra forma!
Estou certo que os pequenos devaneios de auto-comiseração acabarão por ocupar apenas o tempo necessário para "refrescar" uma vida monótona de felicidade (que te desejo).
No entanto, se tais sentimentos reaparecerem até ao final do ano e quiseres fugir para o Sol, lembro-te que ainda não combinamos como nos despedir de 2007. Um país quente vinha mesmo a calhar...

Hélder disse...

trina vela,

Grande amigo, "refrescar uma vida monótona de felicidade" é uma expressão hilariante!! Mas muito verdadeira, não esquecer.

Não te preocupes, mesmo que não apareçam, podemos combinar o país soalheiro na mesma! Não precisa é de ser esse, não há necessidade! ;)

Abraço.

Anónimo disse...

Já tenho cá passado por vezes, mas julgo nunca ter deixado nenhum comentário, se assim for este será o primeiro... ou talvez não.
Realmente autocomiseração não me parece o melhor caminho a seguir, e que nada traz de positivo para quem se sente numa realidade semelhante.
Devemos isso sim, erguer a cabeça, olhar em frente, respirar bem fundo e às vezes, parar, e dar importância aos pequenos prazeres da vida, porque às vezes são nesses poucos momentos que descobrimos como é bom estarmos vivos !...

Um até já.

www.memoriasecretas.blogs.sapo.pt

Hélder disse...

mensageira,

Creio ser a primeira vez que comentas. Bem vinda ao meu canto.

A autocomiseração é, na minha opinião, um dos piores defeitos do ser humano, como já tive ocasião de aqui escrever. E consegue ser muito subtil. Não falo de chorar baba e ranho, nem de nos afundarmos em tristeza. Mas muitos sentimentos de injustiça e frustrações vêm daí. Nem sempre se consegue aperceber que caímos lá.
É como certas doenças que não se conseguem ver, apenas os seus efeitos.
E que nos impedem de gozar esses pequenos prazeres que justificam o mundo.

Obrigado pela visita.

Anónimo disse...

Parabéns! Por conseguir sair do lugar onde te perdeste e principalmente pela força das tuas expressões, sempre.